Os jovens e a leitura |
Arnaldo
Niskier (*) Todas as formas de relação humana implicam a percepção e são constituídas pela linguagem. Conseqüentemente, a leitura e a escrita são resultados da experiência do homem que a história social promove. Essa mesma história impõe, cada vez mais, que o ato de ler seja uma constante na vida de cada um. Ler e pensar são atos homólogos e, quando lemos, estamos nos envolvendo com a expressão de outrem, ao mesmo tempo em que nos revelamos, partilhando idéias e sentimentos. A
literatura exige a mudança, o posicionamento instaurado pela emoção do
leitor. Na verdade, não importa tanto o que o autor diz, mas como é
interpretado no seu universo lingüístico. O encanto das palavras remete o
leitor para além de si mesmo, enriquecendo o seu mundo e as suas
expectativas. É esse o sentimento pedagógico da leitura. Formar leitores,
especialmente entre os mais jovens, é oferecer uma ferramenta fundamental
para ampliar a sua concepção do mundo e até alterá-la, transferindo-a
para situações do seu interesse. Quando
falamos formação do leitor, temos em mente que nem todo mundo que sabe ler
é leitor. É algo que vai além do fato de saber enunciar em voz alta ou
silenciosamente as palavras escritas. Saber ler é uma necessidade do mundo
atual: apreender o significado, dar uma reposta interior ao texto. Como
nos lembra Antenor Gonçalves, (“O Poder da Palavra”, Unesp), “a
linguagem é o grande projeto de formação da cidadania, por meio do qual o
homem toma conhecimento dos direitos que lhe garantem e protegem a vida,
nos sentidos social e individual”. O
papel da escola agiganta-se diante da importância da leitura para a educação
, como espaço formal de trabalho. É preciso colocá-la em posição
privilegiada e há muito que ser renovado no conteúdo e na prática. A
leitura faz parte do cotidiano, mas é na educação formal que devem ser
exercitadas as práticas, de maneira organizada. A utilização de textos
que circulam nas ruas e em casa constitui uma opção preciosa no dia-a-dia
escolar em todos os níveis de ensino. Na verdade, o exercício de ler é
multifacetado, eclético. Importante que atenda às exigências do grupo que
o executa. Quanto
ao professor, o que esperamos é que seja, antes de tudo, um leitor. É
necessário que ele avalie os conceitos e a natureza desse trabalho, com
seriedade e segurança; que ele sabia escolher bons textos de várias
naturezas e sabia explorá-los, incentivando a criatividade, a liberação do
imaginário em seus alunos. A poesia, por exemplo, o caminho literário do
sonho, é muitas vezes esquecida, quando deveria estar presente no espírito
de cada estudante, especialmente dos jovens, como elemento transformador de
idéias, unindo a beleza do lirismo à compreensão vida.
Poemas como os de Carlos Drummond de Andrade ou Vinícius de Moraes
poderiam levar entusiasmo e polêmica às aulas de leitura.
A liberdade de decifrá-los transportaria o ato de ler a novas dimensões
antes não calculadas. Mas
estamos longe do ideal, em face do grande déficit do sistema educacional e
da escassez na produção literária. Nos
Estados Unidos são produzidos 11 no Brasil, 2, 4, o que representa uma ameaça
intelectual. Desses 2, 4,
apenas 0,7 são livros não-didáticos. O
exercício da leitura representa um papel essencial, da máxima importância
para a formação de um povo. Desconheço
um país desenvolvido que não seja um país de leitores, de pessoas que
desde os primeiros anos da infância adquiriram o gosto de ler. Como disse Darcy Ribeiro, o livro foi a maior invenção da
história e a base de todas as outras conquistas da civilização. Como
peças entrelaçadas de um só mecanismo, encontramos o desafio da
alfabetização e a ausência de leitores.
Faz-se urgente alfabetizar 17 milhões de brasileiros, o que requer
uma mobilização em massa, com a participação de todos, inclusive dos
universitários – vivemos, ainda, o pesadelo dos analfabetos funcionais e
sofremos, conseqüentemente, uma espécie de evasão literária entre os
nossos jovens, que, normalmente, não têm contato sistemático com bons
materiais de leitura. Justamente
essa diversidade textual é que forma um leitor competente, que não só
compreende o que lê, mas que pode sentir o que não está escrito. Por
isso, se queremos um ensino realmente democrático, é preciso, no mínimo,
facilitar o acesso ao livro e motivar o aluno nesse sentido mais amplo que
é o refletir, pois, afinal, a verdadeira função da escola é fazer
pensar. Um
programa de alfabetização continuada, incluindo a formação imediata do hábito
de ler, projetos de incentivo à leitura, como concursos, maratonas,
oficinas literárias e a edição de livros de literatura de baixo custo em
larga escala para distribuição em nossas escolas, seriam estratégias louváveis,
representariam um centelha de esperança.
Quem sabe, é o papel reservado ao projeto Leitura para Todos, da
atual administração do Ministério da Educação.
(*) Membro da Academia
Brasileira de Letras e educador.
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Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação |
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