Efeitos perversos



Jose Carlos Azevedo (*)


A Lei nº 3.524/2000, sancionada em 2001 pelo governador do Rio de Janeiro, reservou 50% das vagas em universidades estaduais para candidatos oriundos de escolas públicas, e o decreto nº 30.766/2002 reservou 40% para estudantes negros; na prática, destinaram entre 50% e 90% das vagas às duas categorias. Resta aos alunos das escolas particulares, aos brancos, asiáticos, índios, mamelucos, cafuzos, judeus, árabes e o que mais houver, disputar as restantes por ordem de classificação no vestibular; se todos fossem de cor negra nas escolas públicas, disputariam 50% das vagas e, no caso contrário apenas 10%.

O IBGE adotou o critério da autodeclaração, segundo o qual cada pessoa tem a cor da pele que quiser e nada proíbe, se for branca, dizer-se negra, ou vice e versa; ninguém tem nada a ver com isso. É critério melhor que o lembrado pelo secretário Nacional de Direito Humanos do governo anterior que, à semelhança de nazista ferrenho, admitiu que exames da pele e do sangue revelariam a “raça” de uma pessoa; deve supor esse sábio que as pessoas de cor negra, em vez de glóbulos vermelhos, têm cubos pretos.

A adoção dos dois sistemas de cotas beirou o limite de 90% no curso de desenho industrial da UERJ; as 36 vagas oferecidas foram preenchidas por 18 alunos das escolas públicas, entre os quais havia um negro, e 14 alunos negros das escolas particulares; restaram quatro vagas (cerca de 11%) para os auto-declarados não-negros das escolas particulares. Na mesma instituição, uma estudante foi classificada em 168º lugar mas, por dizer-se negra, passou para o 9º e foi admitida; outra, inscrita como branca, foi classificada em 10º lugar e não foi admitida.

O regime de cotas em função da cor de pele revela oportunismo ou ignorância de quem a apóia porque não existe “raça” e nem a etimologia da palavra é conhecida; a primeira edição da Encyclopaedia Britannica (1771) registra apenas “uma linhagem extraída de pai para filho”, a última nem lhe faz menção independente, e o Oxford English Dictionary diz ser “de origem obscura” a palavra. Do ponto de vista científico, não existem “raças” humanas; existe a espécie humana, que é uma só, e os estudos de genética das populações são conclusivos a esse respeito.

Todos os humanos têm origem comum no período Cambriano, há mais de 500 milhões de anos; somos parentes de todas as formas de vida e primos muito próximos dos gorilas e chimpanzés; por isso, está certa a Bíblia ao dizer “Pois tu és pó e ao pó retornarás”, conclusão a que chegou, cientificamente, o grande astrofísico de Harvard Horlow Shapley: “Somos irmãos das pedras e primos das nuvens”. Além disso, todos descendentes dos poucos hominídeos que, há centenas de milhares de anos, saíram da África, colonizaram toda a Terra e eram, talvez, descendentes de uma só mulher; as aparências exteriores dos oriundos de diferentes regiões são explicadas pela geografia e a física e nada têm a ver com “raça” (ver o livro recente de Ian Tattersall, Curador de antropologia, do American Museum of Natural History, Extinct Humans; 2001).

O sistema de cotas para auto-proclamados negros é iníqua e inconstitucional; pura demagogia ignorante, e gerou um dos “efeitos perversos” da educação, cujas boas providências levam tempo a surtir efeito e as ruins têm conseqüência imediata. Ao garantirem 50% das vagas aos oriundos de escolas públicas no curso citado acima, favoreceram apenas a pessoa que se disse negra; além disso, sendo o ingresso em escola superior feito mediante classificação no vestibular, resta ao Judiciário mandar matricular todos os classificados. Uma barafunda a culpa pelo ocorrido é do Estado do Rio e da União, que estimulam a corrida ao diploma de doutor e determinam reservas de mercado profissional. Isso fez incharem as universidades – até para escaparem de prisão em celas comuns –, sumirem os recursos para os níveis anteriores de ensino, ampliar a desordem educacional e os baixíssimos níveis econômico e intelectual desta incorrigível Terra dos papagaios.


(*) Ex-Reitor da Universidade de Brasília
 
(in JB - 27/02/03)

 


Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

( 194 ) 01/03

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