Invasão de estrangerismos

 

Mauro Mendes de Azeredo (*)

Tramita no Congresso projeto de lei que trata da promoção, proteção, defesa e uso da língua portuguesa. De autoria do deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP), foi aprovado, por unanimidade, pela Comissão de Educação da Câmara.

Creio de toda oportunidade que a opinião pública, os intelectuais e as entidades interessadas possam ter o ensejo de aprofundar o próprio conhecimento quanto às disposições nele propostas, suas eventuais implicações, assim como da sua conveniência ou não para a sociedade brasileira. A tal propósito, gostaria de aduzir algumas observações a respeito de dois aspectos do projeto de lei.

De inicio, concordo plenamente com a premissa que norteia a preocupação do deputado Aldo Rebelo. Assistimos a uma crescente influxo de palavras e expressões estrangeiras, na sua maior parte inglesas, na linguagem corredor no Brasil. São decerto diversas as origens desse fenômeno. Entre as causas, além de outras, encontram-se a influência cultural da superpotência – que não se restringe, de resto, ao Brasil –, considerações  de índole comercial e empresarial, a tendência à imitação e uma não adequada valorização das potencialidades do vernáculo.

Se concordo com a existência da situação – visível em toda parte, tanto nos letreiros do comércio como nas ofertas de serviços bancários, nas página de jornais e revistas –, tenho sérias reservas quanto à descrição desse estado de coisas e, muito em especial, no que concerne aos meios e modos propostos e eventualmente impostos para lidar com a questão.

O assunto é complexo e necessitaria, por consequinte, uma avaliação mais detida e aprofundada. Alguns elementos, no entanto, poderiam desde já serem alinhados. As línguas como as culturas e as próprias civilizações, não são fenômenos estanques. Carecem de mútuas relações, de intercâmbio nos diversos níveis do conhecimento.

As palavras como as idéias, são infensas aos terrenos cercados, às proibições de circulação.

Estaremos assistindo a “uma descaracterização de língua portuguesa promovida pela invasão de estrangeirismo”, consoante refere o Jornal do Senado? Ou para apresentar a situação de forma quiçá menos dramática e adversarial, presenciamos a uma fase na evolução de nossa língua em que a consciência nacional se ressente de afirmação mais pronunciada, e os efeitos da singularidade da predominância mundial dos Estados Unidos também se refletem em nosso país?

Segundo entendo, cumpre distinguir entre as causas do fenômeno e os seus efeitos. Se não o fizermos, corremos o risco de nos preocuparmos exclusivamente com os efeitos, e esquecer as causas. Em outras palavras, a orientação verticalista de tentar coibir as manifestações de uma suposta situação inquietante, sem atentar para os fatores que a determinam, semelha voltada ao destino reservado às iniciativas que desconhecem as realidades, sejam elas econômicas, políticas, financeiras ou culturais.

 Ocorre-me, a propósito, o exemplo da campanha do ditador Benito Mussolini contra os estrangeirismos na língua italiana. A despeito do impacto inicial da iniciativa do Duce, os ventos da história se encarregaram de varrer tal veleidade, entre tantas outras, do regime fascista.

Acredito importante enfatizar que não é meu intuito colocar no mesmo cesto as proposições em tela. Malgrado a indispensável ressalva, a memória do passado pode ser útil, se desejarmos evitar-lhe os erros.

Em resumo: a valorização da língua portuguesa é uma decorrência, entre outras, da educação e do incentivo à conscientização nacional, e, portanto, se relaciona com o nível da auto-estima do brasileiro. Não será por sanções administrativas e por restrições à liberdade de expressão, de discutível constitucionalidade face à norma pétrea da proibição da censura, que iremos “combater” essa “invasão de estrangeirismo”.

 

(*) Diplomata

(in JB - 02/01/03)

 


Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

( 192 ) 01/03

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