Só o conhecimento gera poder

 

Antônio Sepulveda (*)

No liminar de um novo governo, é sempre possível entressonhar um Brasil energético e obstinado na escolarização das crianças e na formação intelectual dos adolescentes. Imaginemos, pois, uma escola pública brasileira ideal e, num arroubo de otimismo, acreditemos tenha essa escola exemplar os mais elevados padrões de capacitação.

Nessa visão ilusória, somos tomados pela harmonia efervescência de um ambiente escolar sadio e proficiente. Salvo os sons familiares da hora da merenda farta e variada, dos intervalos de aula, dos ensaios da banda e do coral, do período de recreio e da prática desportiva, ouve-se apenas o burburinho eufônico de mestres e alunos empenhados nas diversas fainas típicas da aprendizagem.

O dia escolar vai de sete e meia da manhã às cinco da tarde, tempo de sobra para as atividades convencionais do ensino e extracurriculares, e para freqüentar a biblioteca informatizada. A atmosfera é pedagogicamente idílica. As crianças comportam-se como crianças. Os educadores são profissionais competentes, devotados e, sobretudo remunerados de acordo com a responsabilidade inerente à grandiosa missão. Existe todo o apoio da máquina governamental sob a égide de uma estratégia setorial de investimentos em pesquisa e educação, executada e controlada com extrema seriedade.

Qual é a profundidade do fosso que separa essa imagem utopista da realidade tangível? Vendo o estado deprimente de que se encontra a maioria das nossas escolas públicas, talvez estejamos diante de um abismo, Em meio a tantos estorvos e impedimentos de toda ordem- dos quais o desvio, e não a propalada falta, de verbas nos parece o fator mais atuante-, qual seria a intensidade do compromisso com a causa da educação que os principais interessados – incluindo-se aí, naturalmente, o poder político do país – estariam dispostos a assumir para reverter a situação e sair em busca do tempo perdido?

A formação acadêmica é fator primordial para a soberania; sem um ensino de boa qualidade, torna-se ainda mais difícil a percepção das linhas de ação de um planejamento amplo para a obtenção de cenários futuros promissores.

O conhecimento deveria ser o nosso objetivo primordial. A ignorância escraviza e causa dependências humilhantes e inaceitáveis; a desinformação inferioriza, tolhe a liberdade individual, distorce a realidade e, ao generalizar-se, destrói o sonho da autodeterminação de um povo. A pobreza intelectual é, sem dúvidas, a pior forma de indigência do homem; para um país, é o caminho mais seguro da estagnação.

Qualquer apedeuta está no direito de julgar-se inteiramente igual aos outros homens; são legítimas as suas aspirações de galgar os mais altos degraus da escalada da vida. Se a sociedade mostrar-se justa, tolerante e igualitária, o apedeuta de valor alcançará triunfalmente êxitos jamais concebidos, o que é motivo de justificado orgulho nas sociedades livres e democráticas. Essa arenga é razoável e compreensível, mas, no  universo do conhecimento tecnológico, não existem vagas para apedeutas. E é justamente nesse mundo, o do conhecimento sensível, que se encontra a fonte do poder das nações. Ali, o apedeuta terá um papel subordinado e dependerá do humor senoidal das cabeças pensantes, para dizer o mínimo.

Uma nação detentora de tecnologia avançada procura subjugar concorrentes modestas e dimensionar o progresso daquelas que lhe servem como meras fornecedoras de matéria-prima. O país malformado, tal e qual um apedeuta, tende a ser usado por outros mais desenvolvidos; pior ainda, o país tecnologicamente subjugado, ao tentar estabelecer um padrão de vida aceitável para a própria população, dependerá sempre das vontades e dos interesses das potências denominantes.

A parede que separa o saber da ignorância é muito mais consistente do que aquela entre desníveis econômicos. Essa assertiva vale para indivíduos e coletividades. Nos caso das nações, a abastança acostumou-se a acompanhar o conhecimento.

Qualquer governo sério sabe que a qualidade deficiente do ensino tende a provocar, cedo ou tarde, efeitos danosos em todas as expressões do desenvolvimento nacional. Tal proclamação do óbvio, além do apelo emocional, permite-nos antecipar a necessidade premente de se transformar o esforço por um ensino de alta qualidade num fato corriqueiro do dia-a-dia.

 

(*) Escritor

(in JB - 04/01/03)

 


Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

( 191 ) 01/03

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