Brilha o sol sobre a língua portuguesa

 

Aldo Rebelo (*)

“Bordei palavras sobre as ondas do amor (Oi! do mar)/ E na linha do horizonte/ A língua se fez poesia uma odisséia de amor/ Navegar é preciso de Angola ao Timor (ô ô ô)”

Reproduzo acima o tema e um verso do samba-enredo da Unidos da Tijuca, escola de samba do Rio de Janeiro, para o carnaval de 2002. A escola vai usar a língua portuguesa como elemento de ligação para um desfile multicultural em homenagem aos oito paises da Comunidade dos Paises de Língua Portuguesa (CPLP): Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Lorasae.

São cerca de 200 milhões de pessoas em quatro continentes, e, ao que se diz, terão representantes na passarela do samba.

O tema é dos mais felizes, e dá margem a um belíssimo desfile, dadas a riqueza e a diversidade cultural dos povos que compões a comunidade.

O carnaval já cantou Tiradentes (“que não traiu jamais a Inconfidência de Minas Gerais”), Zumbi, Castro Alves e tantos heróis, a guerra contra o invasor (“aprendeu-se a liberdade combatendo em Guararapes”), chamou atenção para a discriminação dos negros (Será... que já raiou a liberdade ou se tudo foi ilusão?”).

E veja que inspiração fulminante! O carnaval se apossa agora do próprio idioma, seu parceiro na construção das mais belas imagens – como a imortal confissão de amor de Paulinho da Viola à Portela (“aquele azul não era do céu, não era do mar, foi um rio que passou na minha vida, e meu coração se deixou levar”), para reafirmar nossa identidade e aproximar os povos irmãos sob o refrão: “A minha língua é minha pátria, e minha fé...”.

Com sua enorme repercussão e influência sobre os costumes e preferências do nosso povo, certamente o carnaval da Unidos da Tijuca irá contribuir para a valorização de nossa língua, muito ameaçada nos últimos tempos por estrangeirismo especialmente da língua inglesa. É um reforço valioso na defesa desse patrimônio nacional.

Pode-se dizer que não é a língua que vive em nós: somos nós que vivemos na língua. Aprender a língua da comunidade em que nascemos é, além de aprender alguns sons, aprender tudo o que essa comunidade conhece do mundo. Comunidade, neste sentido, pode ser nossa família, nossa classe, nosso bairro, a cidade, o país.

Por isto é que, cada vez que morre o ultimo falante de uma língua, todos nós perdemos: todos perdemos único, determinado e irreproduzível modo de conhecer o mundo.

As línguas nacionais, portanto, são bens ao mesmo naturais e culturais de um determinado grupo humano. Num certo sentido, trabalhar para preservar nosso idioma é tão importante quanto trabalhar para preservar nossos mananciais e riquezas naturais. Nos dois casos, trata-se de cuidar para não perder bens que são historicamente nossos, dos brasileiros.

Foi por este motivo que apresentei projeto de lei de defesa da língua portuguesa à Câmara Federal, e que já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça.O artigo 2º diz que incumbe “ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, no intuito de promover, proteger e defender a língua portuguesa:

I – melhorar as condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional:

II – incentivar o estudo e a pesquisa sobre os modos normativos e populares de expressão oral e escrita do povo brasileiro;

III – realizar campanhas e certames educativos sobre o uso da língua portuguesa, destinados a estudantes e cidadãos em geral ;

IV – incentivar a difusão do idioma português, dentro e fora do país;

V – fomentar a participação do Brasil na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa;

VI – atualizar, com base em parecer da Academia Brasileira de Letras, as normas do Formulário Ortográfico, com vistas ao aportuguesamento e à inclusão de vocábulos de origem estrangeira no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”.

Manifestações semelhantes em defesa de suas línguas se multiplicam por outros países, como França e Alemanha, e a província canadense de Quebec, que fala francês. Há poucos dias, no 2º Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, associações alemãs e francesas para a defesa do alemão e do francês manifestaram-se em conjunto contra “a hegemonia cultural e lingüística dos EUA: a forma atual da `globalização` de dominante liberal serve de fato esta hegemonia, e ameaça seriamente  a diversidade lingüística  e cultural do mundo”. Declararam que “a permanência da diversidade e da vitalidade das línguas e culturas (...) tais como a francofonia, a hispanofonia, a lusofonia, a arabofonia, a germanofonia, é tão importante para a humanização da mundialização como será a tomada em consideração dos aspectos sócias que o Fórum Social Mundial reivindica”.

E a ministra das relações exteriores de Quebec, Louisi Beaudoin, presente ao FSM, fez um relato das conquistas de Quebec em defesa de sua identidade cultural e lingüística, e propôs a criação de um instrumento internacional para a defesa da diversidade das expressões culturais, que poderia ser coordenado pela Unesco.

Todos esses fatos revelam que cresce a sensibilidade dos povos em defesa de línguas e culturas nesse quadro da globalização uniformizante comandada pelos EUA. O que torna mais bem-vinda e oportuna ainda a iniciativa da Unidos da Tijuca de homenagear a comunidade de língua portuguesa em seu carnaval.

 

(*) Deputado federal pelo PcdoB-SP
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(in O Globo - 10/02/2002).

 


Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

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