Editorial
A
última edição de 2007 da revista Atualidades em Educação permite uma
abordagem sob diversos focos da educação brasileira.
Destacam-se vários estudos retratados em artigos de especialistas
nacionais, cujos nomes são extremamente conhecidos e em muito ainda são
lembrados quando se promovem encontros para reflexões e aprofundamentos.
Aliás o ano foi coroado com múltiplos congressos, seminários,
simpósios e outros tipos de eventos espalhados por várias cidades
brasileiras. Muito se discutiu e as conclusões marcaram fortes
tendências por pressões por mudanças.
Alguns ecos ressoaram e fizeram com que o governo federal viesse a baixar
um plano de desenvolvimento da educação com vários programas que podem,
se forem efetivamente cumpridos, melhorar as perspectivas dos estudantes
em todo o país.
João Roberto Moreira Alves
Presidente do Instituto de Pesquisas
Avançadas em Educação
(IPAE
-191-11/07)
Desenvolvimento da educação
|
Dalmo Dallari(*)
A
educação é necessidade essencial da pessoa humana e por
isso mesmo foi inserida com grande ênfase na Constituição
brasileira de 1988, como direito de todos e dever do Estado.
Apesar da importância óbvia da educação para as pessoas,
individualmente consideradas, e para a convivência humana, e
não obstante a existência de normas internacionais e
constitucionais de caráter impositivo, enfatizando-a como
direito de todos, ela não tem sido tratada como prioridade no
Brasil por muitos governos, tanto no plano federal quanto no
estadual e municipal. Na realidade, pode-se afirmar que nas
regiões mais atrasadas do país, onde ainda é muito forte o
predomínio de grupos oligárquicos, o descaso pela educação
é intencional, pois faz parte do sistema de dominação.
Nos últimos tempos, tem sido dado grande relevo a informações
sobre deficiências graves do sistema educacional, tanto no âmbito
público quanto no privado, e sobre distorções altamente maléficas
na exploração econômica do setor da educação,
apontando-se também as deficiências do ensino profissional,
que não está ajustado às necessidades e possibilidades da
realidade brasileira de hoje. Quanto ao ensino básico, além
da falta de escolas em muitas regiões, verificou-se que
existem muitas escolas com instalações precárias e sem o
equipamento indispensável. Isso agravado pelo desempenho
insatisfatório de professores, ou por desinteresse ou por
suas freqüentes ausências, sob a justificativa de problemas
de saúde. E hoje se sabe que em muitos casos o desinteresse e
as ausências são motivados pelo baixo nível de remuneração,
que além do desestímulo ao maior empenho gera também a
necessidade de buscar um complemento para ter um nível de
vida decente.
Quanto ao ensino superior, o que mais tem aparecido na
imprensa é a comprovação do baixíssimo nível de grande número
de faculdades de direito, que mediante pagamento fornecem um
diploma de bacharel que está muito longe de representar a
aquisição de conhecimentos. E muitos estudantes só percebem
isso quando não conseguem aprovação no exame de Ordem, que
lhes daria o direito de exercer a advocacia. Ainda bem
recentemente foi noticiada a ocorrência de situação
semelhante na área da medicina, sendo muito grande o número
de médicos que concluíram o curso sem ter feito residência,
sem ter recebido, portanto, a necessária complementação, na
prática e em ambiente hospitalar, do ensino teórico
ministrado nas faculdades.
O dado positivo, que deve merecer muita atenção, inclusive
da imprensa, é o esforço que vem sendo feito pelo ministro
da Educação, Fernando Haddad, para correção das falhas
mais graves, por meio de um amplo programa de ação,
denominado Plano de Desenvolvimento da Educação. Na
apresentação do Plano, explica o ministro, que se trata, na
realidade, de um conjunto de políticas públicas, organizadas
em torno de quatro eixos norteadores: educação básica, que
vai da creche ao ensino médio; educação superior; educação
profissional e alfabetização.
Nesse Plano foram estabelecidos instrumentos de integração
dos diferentes níveis de ensino, como também a conjugação
de esforços e responsabilidades dos municípios, dos Estados
e da União, prevendo-se ainda os meios de ação conjunta dos
setores público e privado.
O desafio é muito grande, pois além do obstáculo de vícios
muito antigos e arraigados, há também a incompreensão e
resistência de governos que não querem assumir os ônus da
educação, porque essa área rende muito pouco em termos de
favorecimento dos objetivos pessoais, grupais ou partidários.
É importante procurar conhecer melhor o Plano de
Desenvolvimento da Educação e dar-lhe decidido apoio, pois
os resultados, além de significarem a efetivação do
respeito à dignidade humana, serão direta e altamente benéficos
para todo o povo brasileiro.
|
(*)Professor e jornalista,
in Jornal do Brasil
(IPAE
-192-11/07)
Bom
salário faz diferença
Jorge Werthien(*)
Por
que os professores deveriam ganhar mais? Eis uma pergunta que não
quer calar. Nem deve. No Brasil, assim como na América Latina em
geral, sucessivos governos - nos níveis municipal, estadual e
federal - enfrentam reivindicações, protestos e greves de
professores por melhores salários e condições de trabalho. Nenhum
governo escapa, tenha a coloração política que tiver. Nenhum
deles nega o problema. Parece haver consenso entre eles sobre a
insuficiência do salário dos professores. O mesmo não ocorre no
seio da sociedade, onde surgem argumentos como o de que o salário
dos docentes tem pouco ou nenhum impacto sobre a qualidade da educação.
Afinal, por que os professores não deveriam ganhar mais?
O discurso oficial em todas as esferas da administração pública
estabelece a educação como prioridade. Prefeitos, governadores e
presidentes da República têm reservado lugar de honra à educação
em suas plataformas políticas. O salário dos professores, porém,
ainda não condiz com essa posição, sobretudo nos âmbitos
municipal e estadual, onde se encontra a maioria do corpo docente
brasileiro, responsável pelo ensino fundamental e médio. A adoção
do Fundeb repara parte do problema, mas ainda não o soluciona.
A pesquisa "O perfil dos professores brasileiros", de
2004, revela que 65,5% dos professores têm renda familiar entre
dois e dez salários mínimos, e que 36,6% ficam na faixa entre
cinco e dez salários mínimos. O estudo destaca que aproximadamente
um terço dos docentes se classifica como pobre. A maioria deles se
considera pertencente à classe média baixa. A origem deles
tampouco é melhor, em termos econômicos.
A mesma pesquisa revela que 67,6% dos professores têm curso
superior, enquanto 32,3% deles têm apenas o ensino médio. E
salienta: "A formação do professor constitui variável
correlacionada com sua renda familiar." Segundo o relatório
"Lápis, borracha e teclado", lançado recentemente pela
Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), pouco
mais da metade dos professores brasileiros (54,1%) manifestou ter
utilizado a internet nos três meses anteriores à data da pesquisa
(no caso, a PNAD 2005). Mas esse índice varia muito segundo a região.
Mal chega a 35% no Norte e no Nordeste, por exemplo.
Como exigir educação de qualidade para todos, quando os responsáveis
por ministrá-la não dispõem de condições suficientes para se
graduar em universidades de primeiro nível, cursar pós-graduação,
viajar, ter acesso às novas tecnologias e à internet, assinar
jornais e revistas, aprender idiomas? Sem salário digno e
competitivo em relação a outras ocupações, como os professores
podem se sentir cidadãos de maneira a formar outros cidadãos para
o mundo contemporâneo? Sem salário digno, similar a outras
categorias profissionais mais bem remuneradas, como conseguir
incorporar ao magistério os melhores alunos do ensino médio e da
graduação? Ter a educação como prioridade deve implicar ter os
professores como prioridade.
Sabe-se que o problema é complexo, e a docência é hoje uma
profissão de massas. Aumentar o salário dos docentes na proporção
que os desafios atuais exigem teria grande impacto nos orçamentos
federal, estadual e municipal. Mas é indispensável avançar
gradualmente, acompanhando o aumento salarial com avanços na
profissionalização, formação, reciclagem e responsabilidade
pelos resultados. Professores bem remunerados podem não significar
necessariamente uma melhora do ensino em curto prazo, mas certamente
em médio e longo prazos a presença de professores bem pagos fará
diferença nas salas de aula.
(*)Diretor executivo da Rede de Informação Tecnológica
Latino-Americana (Ritla), in O Globo
(IPAE
-193-11/07)
Prioridade
à educação
Jorge Maranhão(*)
Acerca
de sua pesquisa sobre "A cabeça do brasileiro", o sociólogo
Alberto Carlos de Almeida declarou à revista "Veja" que a
maioria dos brasileiros tem uma visão mais arcaica da sociedade
porque tem baixa escolaridade e, por conseguinte, na medida em que a
educação se universalize, a visão mais moderna se tornará
majoritária. Daí podemos concluir que, enquanto não assumirmos a
missão histórica de uma verdadeira elite, que entenda e assimile a
importância estratégica da educação para superarmos nossas
mazelas, e decida participar efetivamente da vida pública para
garantir esta conquista, o Brasil não terá jeito!
Permanecemos no círculo vicioso de não termos uma educação de
qualidade porque não temos uma elite participando da vida política.
E não temos uma elite participando da vida política do país
porque não temos educação política suficiente para discernir
entre opinião pública e interesse público, até mesmo pela
dissuasão cotidiana da mídia de que a política é o domínio da
delinqüência social e não propriamente lugar dos homens de bem.
Quando, na ordem democrática, "sujar" as mãos com a política
é o único jeito de se impedir a má aplicação do dinheiro público,
sobretudo no campo sagrado da educação pública de qualidade,
universal e laica. Se a participação política é dever de cada
cidadão brasileiro e a essência da verdadeira cidadania, a má
aplicação dos recursos públicos em qualquer campo da ação do
Estado não é tão nefasta quanto na educação básica.
Se estamos nos dando conta de que não pode haver corrupção na
aplicação dos recursos públicos, no caso da educação
especificamente, temos de ser intolerantes! O que é mais uma tarefa
da mídia do que propriamente da educação. Pois não precisamos
ser necessariamente uma elite bem formada para nos convencermos da
prioridade estratégica da educação.
A educação não é apenas um sistema de transmissão de
conhecimento, assim como a justiça não produz apenas conduta, a
política, normas, e a mídia, informação. Para além disso, todos
produzem valores! Principalmente os valores clássicos do legado
humanista: a vida, a legalidade, a liberdade e a propriedade. Todos
estes sistemas são responsáveis pela formação cívica e política
do cidadão e, quando um falha ou se mostra insuficiente na reprodução
dos valores da cultura de cidadania, temos de exigir maior
desempenho dos demais.
Por isso a educação não pode ser projetada na mídia apenas como
dever formal do Estado ou como pretexto para campanhas de marketing
de reputação corporativa ou de responsabilidade social
empresarial. Políticas públicas de educação de qualidade são
resultado de responsabilidade política empresarial e compromisso público
rigoroso entre governantes e governados.
Se todos estamos cansados de saber dos problemas brasileiros, agora
é chegada a hora de resolvê-los! Para a efetividade da educação
e da democracia, temos de extirpar a demagogia de nossa cultura política!
Temos de nos engajar numa campanha cívica pelo controle social dos
orçamentos da educação.
É chegada a hora de enfrentarmos nossa miséria política e
superarmos os impasses da crise de gestão do setor público e da
crise de valores do setor privado. Pois não é verdade que o povo
brasileiro não presta. Não é verdade que não temos políticos em
quem confiar. Não é verdade que somos individualistas e não
sabemos agir em coletivo. Se ao menos alguns poucos políticos têm
marcado seus mandatos com compromissos claros com a educação pública
de qualidade, façamos deles os representantes maiores da cidadania
mais ativa e consciente.
Reinventemos o estado democrático a partir de uma nova relação de
representação baseada na prestação de contas de todos os
mandatos. E usemos a mídia para celebrar, garantir e fiscalizar com
firmeza este novo compromisso público. Podemos tolerar falhas e
fracassos em qualquer outro campo da ação governamental, mas temos
de eleger a educação como a marca inicial de uma revolução em
nossos costumes políticos, o espaço de resgate da plena cidadania
e o fim do jeitinho e da cultura de impunidade. O grande feito,
enfim, de todos os cidadãos e não de um novo salvador-da-pátria,
grão-provedor patriarcal, um novo "pai dos pobres" ou
demagogo da vez!
(*)Publicitário e diretor do Instituto de Cultura de
Cidadania A Voz do Cidadão, in O Globo
(IPAE
-194-11/07)
Efeito
didático
Ali
Kamel(*)
Houve
de tudo na reação provocada por meus dois artigos sobre livros
didáticos. Tão logo saiu minha crítica ao "Nova História
Crítica", o MEC se apressou a dizer duas coisas: o livro foi
incluído na relação do MEC ao tempo de FH e excluído dela no
Governo Lula. Quando publiquei o artigo sobre o Projeto Araribá,
acusando-o, entre outras coisas, de fazer propaganda
político-eleitoral do PT, o ministro da Educação, Fernando
Haddad, disse o seguinte: "O MEC só compra livros escolhidos
pelos professores. Então, só tem três soluções: manter a
liberdade, censurar os livros ou trocar os professores. Eu fico com
a primeira." É, então, o caso de perguntar: a reprovação do
"Nova História Crítica" se enquadra em qual das três
categorias? Ou seja, retirar o livro que faz propaganda eleitoral do
PT é censura; banir o "Nova História Crítica" não é.
Um método de avaliação que não comporta uma reavaliação
extraordinária é falho.
O
curioso é que, antes de escrever o artigo, apurei junto ao MEC se o
livro constava da lista dos recomendados e obtive um "sim"
como resposta. Não sei por que agiram assim, mas, mesmo que
tivessem me informado corretamente, o artigo seria publicado,
naturalmente com a explicação do ministério: o fundamental era
que o livro ficará em sala de aula até o fim do ano e permaneceu
nela durante anos.Disseram
também que eu omiti críticas que o autor de "Nova História
Crítica" faz ao socialismo real. Também não é verdade. Logo
na abertura, eu escrevi que, para o autor, o socialismo só
"fracassou até aqui por culpa de burocratas
autoritários". Os trechos que reproduzi falam por si. Este é
o ponto: o que pretendi mostrar, e mostrei, é que o livro tem o
propósito de doutrinar as crianças para que acreditem que o
socialismo é a melhor forma de organizar a sociedade, que o
capitalismo é mau e que o que existiu até aqui não é o
socialismo verdadeiro (embora o autor diga que as experiências
socialistas foram melhores do que as das sociedades capitalistas de
hoje). Vale reproduzir o trecho que fecha o livro. Depois de
descrever o Fórum Econômico Mundial, o livro afirma: "Mas
havia gente de fora que queria dizer não. Muita gente. A maioria
das pessoas do planeta. Gente que não é proprietária de ações,
que não viaja de avião na primeira classe, que não aceita que o
mercado e os lucros capitalistas sejam colocados num altar como
figuras divinas. Na cidade de Porto Alegre, o século XXI se abriu
com duas grandes conferências (2001 e 2002) do Fórum Social
Mundial. Percebeu a diferença no nome? O que deve ficar em destaque
não é a economia (os lucros das grandes empresas), mas o social (o
bem-estar da humanidade). (...) A idéia fundamental era a mesma:
organizar a luta mundial contra o domínio absoluto do grande
capital. O planeta deve pertencer à humanidade inteira. (...) Será
essa a nova forma de fazer política no século XXI? Em vez de um
partido político centralizado que se considera dono da verdade,
múltiplas associações que se encontram, livres, autônomas, mas
com o sentimento de um projeto comum, o de que é possível
construir um outro mundo? A resposta, amigo leitor, caberá à sua
geração." Mais doutrinação do que isso?Mas
meus artigos produziram outras reações bizarras. Dois deputados do
PT, Fernando Ferro e Rui Falcão, acusaram-me de estar a favor do
capital estrangeiro, ao criticar o livro, de enorme sucesso, editado
por uma editora brasileira, a Nova Geração. Meu objetivo escuso
seria o de ajudar a espanhola Santillana, dona da Editora Moderna,
que, hoje, detém a maior fatia dos livros didáticos comprados pelo
MEC. A infelicidade dos deputados é que Ferro fez o seu discurso
exatamente no mesmo dia em que O GLOBO publicou o meu artigo
"Livro didático e propaganda política", em que ataco
duramente o "Projeto Araribá, Ensino fundamental, História
8", afirmando que o livro tem todas as falhas do "Nova
História Crítica" e mais uma: faz propaganda
político-eleitoral do PT. Rui Falcão publicou o artigo dele um dia
depois, o que torna a coisa mais ridícula. Por que ridícula?
Porque o livro que critiquei pertence à Editora Moderna, do grupo
Santillana, a quem me acusaram de proteger.A
discussão não teve apenas bizarrices; houve também má-fé. Luis
Nassif escreveu artigo, publicado em seu blog e no "Diário do
Grande ABC", insinuando que eu fizera mesmo lobby para a
empresa espanhola. Dava como "prova" uma sociedade entre a
Editora Globo e a Santillana, numa terceira empresa, a Editora Uno.
Uma mentira deslavada. A revista "Época", da Editora
Globo, apenas encomendou, como cliente, à Uno, dois projetos - o
"Guia Vestibular 2008" e o "Guia Época Enem
2007", ambos para serem encartados exclusivamente como
fascículos. Confundir cliente com sócio não é erro, é má-fé.
Com um detalhe sórdido: para dar mais credibilidade à sua
denúncia, Nassif omitiu que eu escrevera um artigo atacando o livro
da editora espanhola.Escrevi
uma resposta ao "Diário do Grande ABC", denunciando que
Nassif mentira. Como resposta, Nassif publicou em seu blog a minha
carta ao jornal paulista. Ao final dela, admitiu que fora
"induzido ao erro", sem, porém, dizer por que ou por
quem. Não pediu desculpas, nem a mim nem aos leitores dele, por
fazer denúncia sem apuração. E em vez de dizer que a Editora
Globo foi apenas cliente da Uno, preferiu usar o termo
"parceira", no caso, de todo inadequado. Pior, não
explicou aos leitores dele a omissão quanto ao meu artigo
criticando o livro da Moderna e acrescentou alguns impropérios a
mais contra mim. Imediatamente, escrevi uma tréplica, desmontando
peça por peça o que Nassif dissera. À toa. Alegando falta de
espaço, ele nada publicou, ignorando que o espaço na internet é
infinito. Preferiu manter comigo uma longa troca de e-mails, em que
ficou claro, para mim, que ele prefere conjecturas fantasiosas (e
caluniosas) a fatos.Eu
não chamo isso de jornalismo.
(*)
Jornalista, in O Globo
(IPAE
-195-11/07)
Como mudar a educação com o
uso de tecnologias
Paulo Nathanael
Pereira de Souza(*)
1-
Diagnóstico sumário da educação brasileira, como condição para
o desenvolvimento.
Tornou-se
lugar comum, nos dias atuais, afirmar que a educação é o mais
importante insumo no desenvolvimento das nações. Isto porque, sem
ela, o progresso faz-se impossível, tendo em vista o grau de
participação da ciência e da tecnologia na estrutura e no
funcionamento da sociedade moderna. Vive-se a era da informação, e
quem não possuir um mínimo de formação geral, que já não se
confunde apenas com a arte de ler, escrever e contar, mas impõe um
saber maior que envolve conhecimentos outros, como: alguma
familiaridade com uma língua estrangeira e o domínio básico do
uso do computador, não terá lugar ao sol na disputa por trabalho e
realização pessoal. Bacon, o grande filósofo inglês do século
XVI, foi um profeta ao enfatizar nos seus escritos que saber é
poder. Se vivesse, hoje, poderia ser havido como um ícone dos novos
tempos.
A análise das razões do sucesso dos países chamados afluentes,
neste início do século XXI, a saber: China, Índia, Coréia,
Chile, para só citar os principais, leva sempre à certeza de que,
onde a educação do povo foi levada a sério, o desenvolvimento
acelerou-se. Zerar o analfabetismo e garantir matrícula para 90%
das crianças de zero a seis anos na educação infantil, além de
100% para as de sete a quatorze anos e cerca de 90% no ensino médio
às que concluem o fundamental, mais cerca de 10% dos que se formam
no ensino médio e buscam o ensino superior, bem como assegurar a
todos esses níveis e tipos de escolaridade e necessária qualidade
acadêmica. Essa seria a fórmula ideal de uma educação voltada
para a prosperidade de uma nação. Pelo menos foi isso o que
efetivamente ocorreu na Coréia, considerada o grande exemplo a ser
seguido, modernamente, pelos candidatos ao sucesso internacional. E
o Brasil, como fica em todo esse mosaico de países, que lutam para
sair do atraso econômico-social em que vivem desde há muito? O
Brasil face aos problemas de sua educação não vai bem.
Todas as avaliações, de aprendizagem feitas internamente pelo MEC,
ou externamente pela UNESCO, têm demonstrado um resultado pouco
satisfatório no aproveitamento escolar da infância e da juventude.
Conforme se lê nos relatórios referentes ao setor, só há um
sucesso a comemorar entre nós: é o atingimento de 97% de matrículas
no ensino fundamental para as crianças com sete anos de idade.
Trata-se de uma vitória quantitativa, importante, mas insuficiente,
eis que o nível de qualidade desse, e dos demais graus e tipos de
ensino, continua a flutuar entre o ruim e o péssimo. Para se ter idéia
da precariedade instalada, em nível nacional basta dizer que o
estudante brasileiro que chega ao último ano do ensino médio, isto
é, com dez anos de escolaridade, não sabe calcular médias aritméticas,
resolver problemas que envolvam porcentagens, nem lidar com juros
simples. Também é incapaz, ao ler um texto, de compreender a relação
entre uma tese e os argumentos que a sustentam. Não é à toa que o
país tem obtido o último lugar no elenco do PISA, avaliação
executada pela OCDE e destinada a aferir a capacidade de leitura dos
alunos. Esse quadro desolador em relação ao aproveitamento escolar
agrega outros fatores negativos, como: alta repetência e uma taxa
absurda de evasão em todas as séries do ensino básico que chega
no ensino fundamental, a atingir 40%, da 1ª para a 2ª série.
Ademais, observa-se um reflexo patológico desse estado de cousas no
ensino superior: a minoria que nele se matricula (cerca de 4% dos
formados no ensino médio), apresenta um tal montante de
desaproveitamento escolar, que a universidade se viu obrigada,
ultimamente, a funcionar no mais baixo nível de aprendizagem, que
se possa imaginar. Haja vista o que se passa no exame de Ordem da
OAB. Pouco se deve esperar de um ensino que, não tendo clientes
capazes de aproveitá-lo, na inteireza da complexidade de estudos
permeados pela ciência e a alta tecnologia, rebaixa suas exigências,
e deixa de cumprir sua missão fundamental, que é a de criar uma
elite intelectual capaz de colocar o país na vanguarda das exigências
da era do conhecimento. A crise universitária aí está, não
apenas com as suas penúrias próprias, mas principalmente com as
que vem herdando dos graus de ensino, que antecedem o superior. E de
nada adianta formatarem reformas, fundamentadas menos na pedagogia e
mais na ideologia, a pretexto de salvar a universidade brasileira,
eis que sua salvação só terá sentido depois de salvos os ensinos
fundamental e médio, que, hoje, formam a base podre dos seus
alicerces.
2- O que pode a tecnologia educacional fazer para mudar a educação
brasileira?
Na intersecção entre a comunicação e a educação, ao longo de todo
o século XX, surgiram tais e tantas inovações tecnológicas, a
partir do rádio, da televisão e do cinema, até os computadores e
os satélites de transmissão, que é de admirar não tenha havido,
ainda, com base nelas, uma ampla e profunda revolução em toda a educação
mundial. Se no planeta, como um todo, mesmo nos países de ponta, o
uso dessa tecnologia em favor da qualidade e da modernização do
ensino, tem sido modesto e insuficiente, o que dizer do Brasil, onde,
ainda, se ouvem das autoridades, restrições absurdas a projetos, como
os de ensino a distância ou de inclusão da Internet aos usos e costumes
escolares? Esses palpiteiros de gabinete, além de ignorarem o potencial
de benefícios carreados pelas novas tecnologias, ainda ficam naquelas
afirmações tolas e insustentáveis de que a educação presencial
seria sempre mais séria e eficaz, do que as demais oriundas dos
avanços tecnológicos. A legislação relativa ao uso do computador
e outros mecanismos, na educação editada pelos dirigentes dos sistemas
de ensino se faz sempre com o fim mais de barrar, do que de
incrementar a inserção da escola nos progressos da tecnologia.
Torne-se, o caso da
EAD. Para usá-la, a lei exige que a escola se credencie no MEC e
que os programas se aprovem nos Conselhos de Educação. Como nesses
órgãos escasseiam os especialistas nos novos conhecimentos, fazem-se
normas, que refletem a importância geral, sobre o tema eis que só
cuidam de medidas de segurança, quanto à qualidade do ensino as
quais, na verdade, acabam por não assegurar coisa alguma. Algo que
espanta nessas normas é a insistência com que se fala na EAD, como
se se tratasse de uma modalidade de ensino, com epistemologia e fins
próprios, como se fora ela mesma também um tipo de ensino. Uma lástima,
que evidencia a profunda incultura dos responsáveis pelo assunto,
eis que a EAD, como qualquer outra forma de didática voltada para o
ato de educar, não se contrapõe à educação presencial. É
apenas uma nova linguagem pedagógica, que combina a ação preparatória
e supervisionadora dos professores, com o uso do instrumental eletrônico
(ou até mesmo outros, menos sofisticados, como a correspondência,
por exemplo) à disposição dos alunos para obviar resultados melhores
na aprendizagem. Tanto faz, do ponto de vista dos resultados, que essa
aprendizagem se faça presencialmente, por EAD, ou por processos
combinados de uso de ambos. O essencial é que haja aprendizagem
eficaz.
Com tanto preconceito e tanto desconhecimento interferindo nas decisões
sobre o papel da tecnologia educacional nos processos educativos, não
admira o fato de assistirmos penalizados à consolidação do atraso
nas redes escolares do país. Muito da incapacidade de aprendizagem
dos alunos – sua reprovação e evasão – nasce do desinteresse,
do tédio e desse gap, que se alarga sempre, entre a tecnologia da
informação e os bla-bla-blas diários das salas de aula. O aluno
costuma estar, em matéria de informação, muito à frente de seus
professores, o que explica, em parte, o desajuste entre as lições
da escola e a aprendizagem informal, via Internet, que os jovens
acabam obtendo, seja nos seus próprios computadores, seja naqueles
que se alugam no cyber-café ou nas lan-houses da vida.
Como escrevemos, certa vez, em artigo publicado pela revista
“Agitação (Ano XI, nº 60)”: no Brasil convivem três tipos de
analfabetismo – o puro, que reúne milhões de adultos, que nunca
passaram pela escola; o funcional, que reúne outros milhões, que
passam pela escola e pouco ou quase nada aprendem; e o tecnológico,
que atinge principalmente os professores, que ainda não descobriram
os computadores, e estão perdendo a autoridade didática perante
seus alunos. Assim, parodiando Castro Alves, que dizia ser
importante semear livros à mancheiras, mister se faz agora
distribuir milhões de computadores a mestres e alunos, para que se
comece a fazer a grande revolução digital exigida da educação
pela era do conhecimento.
O saneamento da educação brasileira e o início de sua qualificação
só se fará com uma corajosa reforma global dos sistemas de ensino,
pela qual, entre outros procedimentos se assegure a inclusão ampla,
radical e funcional da tecnologia, com todas as suas mais recentes
conquistas, à didática nossa de cada dia. Sem isso, os defeitos de
aprendizagem continuarão a crescer nas estatísticas escolares e o
Brasil poderá perder a corrida dos países emergentes no rumo da
modernidade e do desenvolvimento.
(*)Ex-Presidente do Conselho
Federal de Educação e Presidente do Conselho do CIEE
(IPAE
- 196-11/07)
A
hora da união
Paulo Alcantara(*)
"A
melhor coisa que os governos podem fazer para incentivar a inovação
é sair do caminho". Esta recente afirmativa do The Economist
reflete o pensamento de algumas das correntes mais expressivas na
União Européia sobre os rumos da inovação. Felizmente, ela não
se aplica ao nosso país, onde já há vários governos, ciência e
tecnologia vêm sendo entendidas como uma questão de Estado, que se
sobrepõe aos interesses políticos partidários. A criação dos
fundos setoriais em 1999, seguida da aprovação da Lei da Inovação,
em 2004, da Lei da Micro e da Pequena Empresa, já no final de 2006,
e a criação da "subvenção econômica" para empresas
que buscam a inovação demonstram o quanto o assunto se integra a
agenda econômica governamental.A
ação efetiva do Ministério da Ciência e da Tecnologia vem
permitindo a geração de uma "cultura da inovação",
indispensável para o incremento da competitividade nas empresas. O
número de patentes, embora ainda muito abaixo de nossas
potencialidades, triplicou na ultima década. As incubadoras e os
parques tecnológicos têm crescido de forma expressiva. Ao mesmo
tempo, o Programa de Aceleração do Crescimento em Ciência e
Tecnologia, recentemente lançado, constituir-se-á em notável
instrumento para o incremento da competitividade nas empresas e para
o fortalecimento das relações universidade-empresa. Os reflexos
sobre os governos estaduais já se fazem notar: o Rio de Janeiro
acaba de lançar sua própria Lei da Micro Empresa, gerando novos
estímulos para o desenvolvimento.Todavia,
de forma surpreendente, continuamos patinando no cenário
internacional da inovação.Onde
estará o gargalo? Os indicadores do Ministério da Ciência e da
Tecnologia e os fatos mostram que não estamos conseguindo responder
às necessidades de formação de pessoal nos setores de engenharia
e de tecnologia - que, nos últimos 10 anos, representam somente 11%
dos doutores diplomados. A situação se agrava quando são
analisados os dados da formação de engenheiros, técnicos e tecnólogos.
A instalação de novos empreendimentos energéticos e siderúrgicos
no Rio de Janeiro forçou as empresas responsáveis à "importação"
de pessoal qualificado.Assim,
torna-se imperioso adotar políticas de formação que sejam
indutoras de uma reorientação da atuação das instituições de
ensino superior, tornando-as capazes de compatibilizar a oferta de
cursos com as necessidades dos arranjos produtivos, viabilizando a
instalação de cadeias produtivas e de fornecedores capacitadas
para responder com agilidade a estas demandas.A
união entre o público e o privado será fundamental para o nosso
êxito.Hoje
é evidente o esforço do governo em expandir a atuação das
universidades públicas, possibilitando uma distribuição mais
equilibrada entre público e privado. Entretanto, não se pode
esquecer que o Brasil conta com um pujante sistema de educação
privada, representado por cerca de 2 mil instituições
particulares, confessionais e comunitárias, instaladas em todas as
regiões. A relevância social dessas instituições já foi
demonstrada pela sua participação no ProUni, concedendo bolsas a
centenas de milhares de estudantes que não têm acesso ao ensino
gratuito oferecido pelas instituições publicas.Sua
importância para o desenvolvimento poderá agora ser testemunhada
se as engajarmos em programas de formação e de capacitação de técnicos
e tecnólogos e engenheiros, sempre em conformidade com dimensões e
peculiaridades de cada uma e ainda com as respectivas inserções
locais.Numa
época em que tanto se fala de compra e venda de instituições
universitárias, oferecer a elas a alternativa do crescimento pela
participação direta no nosso desenvolvimento será decisivo para
que a rede de ensino superior brasileira abandone a trágica
dicotomia público-privado e passe a ser reconhecida como o
principal ator da construção do país.
(*)Reitor da Universidade Castelo Branco e Presidente da Rede de
Tecnologia do Rio
(IPAE
- 197-11/07)
Crematório de
cérebros
Cristovam
Buarque(*)
É
comum o horror diante da brutalidade de dirigentes que queimam
livros e prendem ou matam intelectuais como o imperador chinês Shih
Huang Ti, que, 210 anos antes de Cristo, decidiu queimar todos os
livros e matar todos os estudiosos do seu império. Até hoje, a
Inquisição horroriza o imaginário da humanidade pelo crime de
destruir livros e matar intelectuais durante a Idade Média. Em
Berlim, no campus da universidade Humboldt, há um local de reverência
indignada no lugar onde Hitler queimou milhares de livros.
Mas não nos horrorizamos quando os livros são impedidos de ser
escritos e os jovens de se transformarem em escritores.
Indignamo-nos com a queima de livros e a prisão de escritores, mas
não com a incineração de cérebros como se faz no Brasil, ao
negarmos educação ao povo. Pior do que queimadores de livros,
somos incineradores de cérebros que escreveriam livros, se tivessem
a chance de estudar. A história do Brasil é a história do
impedimento de que livros sejam escritos e de que cientistas e
intelectuais floresçam.
Quando os livros são queimados, alguns se salvam. Mas se eles não
são escritos, não há o que salvar. Quando os escritores se
salvam, eles escrevem outros livros, mas quando não aprendem a ler,
queimam-se todos os livros que poderia escrever.
O Brasil é um crematório de cérebros.
Ao nascer, cada ser humano traz o imenso potencial de um cérebro
vivo e virgem. Como um poço de energia a ser ainda construído:
pela educação. No Brasil, treze porcento dos adultos são
analfabetos, apenas trinta e cinco porcento concluem o ensino médio;
destes, só a metade tem uma educação básica com qualidade acima
da média. Portanto, oitenta e dois porcento ficam impedidos de
escrever, todos os livros que escreveriam são queimados antes de
escritos. Como se o Brasil fosse um imenso crematório de inteligência.
As conseqüências são perfeitamente perceptíveis: basta olhar a
cara da escola pública no presente para ver a cara do País no
futuro. Apesar de nossos quase 200 milhões de cérebros, o quinto
maior potencial intelectual do mundo, o Brasil continuará a ser um
país periférico na produção de conhecimento. Da mesma forma como
a China regrediu intelectualmente depois de Shih Huang Ti; a
Alemanha, com Hitler; a Península Ibérica, com a Inquisição; o
Brasil está perdendo o potencial de seus cérebros interrompidos. O
resultado já é visível: ineficiência, atraso, violência,
desemprego, desigualdade, tolerância com a corrupção e a
contravenção. Um país dividido por um muro da desigualdade que
separa pobres e ricos; e separado das nações desenvolvidas.
Durante anos, falou-se no "decolar" da economia. Achava-se
que para um país ter futuro bastava educar uma elite, um pequeno
conjunto de profissionais superiores a serviço da economia.
Formamos uma minoria no ensino superior, escolhida depois de
rejeitar a imensa maioria na educação de base, e perdermos o
potencial das dezenas de milhões deixadas para trás.
Ou o Brasil se educa ou fracassa; ou educamos todos ou não teremos
futuro e a desigualdade continuará; ou desenvolvemos um potencial
científico-tecnológico, ou ficamos para trás. Se a universidade
é a fábrica do futuro, o ensino fundamental é a fábrica da
universidade. Sem uma professora primária que lhe tivesse ensinado
as primeiras letras e as quatro operações, Albert Einstein não
teria se tornado cientista. Nossos prêmios Nobel morreram antes de
aprender as quatro operações. Não podemos formar inteligências
enquanto formos queimadores de cérebros. Não podemos melhorar a
educação superior sem uma educação realmente universal e de
qualidade para todos.
Só o pleno desenvolvimento do imenso potencial da energia
intelectual dos brasileiros permitirá derrubar o muro do atraso e o
muro da desigualdade. Mas isso exige que o horror que sentimos com
os estrangeiros que queimavam livros e sábios, seja transferido
para nós próprios, incineradores de livros que não foram
escritos, de doutores que morreram analfabetos. Incineradores de cérebros.
(*)Senador da República,
in O Globo
(IPAE-198-11/07)
The brazilian journal of qualquer coisa...
Ubiratan Iorio(*)
Certos
órgãos públicos serviriam muito melhor ao público se,
simplesmente, fossem extintos! A Lei n.º 11.502, de 11 de julho
de 2007, modifica as competências e a estrutura organizacional da
Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), órgão do Ministério da Educação. Para o
ministro da área, o instrumento legal cria uma "nova
Capes", que subsidiará o MEC "na formulação de políticas
e no desenvolvimento de atividades de suporte à formação de
profissionais de magistério para a educação básica e superior
e para o desenvolvimento científico e tecnológico do país".
O que Sua Excelência omite é que, para exercer as
"novas" funções, que conferem ainda mais poder aos
burocratas, a "nova" Capes recebe de presente, na
bandeja das nomeações, mais 410 cargos de assistentes e
analistas em Ciência e Tecnologia, além de 52 cargos adicionais
em comissão (DAS), que não exigem concurso para preenchimento.
É o estilo PT de gerir, segundo o qual "mais sempre é
preferível a menos, quando se trata de preencher cargos públicos
com companheiros", não importando o bolso do contribuinte
nem preceitos morais e éticos. Segundo apregoam, a presente inchação
destina-se a "induzir e fomentar a formação inicial e
continuada de profissionais de magistério".
Ora, a própria Secretaria de Educação Superior do MEC, responsável
pela regulação, supervisão e avaliação das 2.460 IES do
sistema, com mais de 4,5 milhões de alunos, dispõe de apenas 72
DAS e nenhum assistente ou analista com formação específica
para a supervisão do ensino de graduação. Portanto, é
injustificável que a Capes, que supervisiona 2.452 programas de
mestrado e doutorado, com cerca de 130 mil alunos, mesmo com a
ampliação absurda de suas funções, infle mais ainda sua
estrutura.
O Brasil ocupa desonroso lugar nos índices de realização tecnológica
computados pela ONU, atrás de países que, em termos de
capacidade instalada para a produção científico-tecnológica, são
claramente inferiores. A má colocação brasileira reflete
diversos vícios, como a falta de integração dos órgãos de
fomento à pesquisa, a ineficácia dos incentivos à pesquisa e
desenvolvimento, o baixo investimento nas áreas de inovação e,
obviamente, a própria Capes - por si só, um hino aos controles
burocráticos e ao desperdício.
Nessa débâcle, a fundação responsável por mais da metade das
bolsas de pós-graduação no país e pela avaliação da pós-graduação
stricto sensu, vem servindo mais, na esbórnia a que se dá o nome
de "governo do PT", como um instrumento de
aprofundamento de nosso vergonhoso atraso.
A política que aplica nas avaliações dos cursos é
centralizadora, ultrapassada, ineficaz, mecânica e desprovida de
inteligência e induz os pesquisadores de nossas universidades a
preocuparem-se mais em publicar seus artigos "acadêmicos"
- que nem sempre são de fato acadêmicos - para que a sua
instituição alcance uma boa nota na avaliação trienal, do que
em produzir ciência e tecnologia com resultados positivos para o
país.
É um erro crasso prestigiar mais os papers acadêmicos - que,
muitas vezes, são publicados em revistas científicas
irrelevantes - do que pesquisas que possam resultar em inovações
tecnológicas, patentes industriais e geração de riqueza
material e intelectual para o Brasil. É a política do paper acadêmico
pelo paper acadêmico, sem qualquer preocupação quanto à eficácia
dos resultados, em que o artigo publicado não é mera conseqüência,
mas o fim próprio da pesquisa: não é o cavalo que sacode o
rabo, mas o rabo que balança o cavalo... O objetivo, adulterado,
passa a ser o de publicar a qualquer custo, inclusive ao imenso
custo do esbanjamento de recursos escassos, em um país pobre.
(*)Economista,
in Estado de São Paulo
(IPAE
- 199-11/07)
Ser
professor: paixão ou adicção?
|
Maria Clara Bingemer(*)
Ninguém
tem algo por que viver se não tem ao mesmo tempo algo por que
morrer. O ser humano tem necessidade de apaixonar-se, canalizar com
todas as forças seus desejos, energias, impulsos vitais e recursos
internos e externos em direção a um objetivo no qual acredita
apaixonadamente. E a ele dedicar-se com tudo que é e possui. Com
intensa paixão.
Parece-me que um dos problemas de nossa cultura hoje é que há
pouca paixão. As pessoas não enxergam mais razões e causas pelas
quais entregar-se, pelas quais dar a vida. E assim não encontram
igualmente motivações para viver intensamente. Em lugar da paixão
encontram a adicção. Pois onde não há paixão, há adicção.
Nossas fomes viscerais, os desejos que nos devoram as entranhas, não
encontram caudais suficientemente volumosos para jorrar. E então se
atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. Ou se
agarram fanaticamente a ídolos, marcas, logos, objetos de consumo
que lhes acalmam momentânea e passageiramente o desejo para depois
fazê-los ressurgir mais ferozes que nunca, esporeados pela frustração
e o desalento. Surge então a adicção que mina as forças e
encolhe a cabeça. E, pior que tudo, anestesia a paixão.
Estranha reflexão para celebrar o Dia do Professor? Não creio, já
que estou convencida, após 25 anos neste labor diuturno, cansativo
e fascinante, de que educar é questão de paixão. Se não há paixão,
não há empenho nem compromisso possível com a sala de aula. O diálogo
com os alunos e o trabalho incessante de rasgar horizontes e abrir
fronteiras afiguram-se como tarefa monótona e infrutífera. O
desalento ronda como dragão e quando menos se espera deu o golpe
mortal sobre a paixão.
Se isso é verdade universal, quanto mais no Brasil de hoje, onde a
educação se encontra cada vez mais humilhada, desatendida e
espezinhada. As prioridades nacionais apontam muito mais na direção
da adicção: as oscilações do dólar, a inflação que sobe ou
baixa, os escândalos do Senado, a capa da Playboy. E as inexplicáveis,
ocas e repugnantes cenas do Big brother ou equivalentes.
Enquanto isso, as escolas caem aos pedaços, desmanteladas e em ruínas.
Os professores devem dar aulas em cinco ou seis lugares diferentes
para poder sobreviver, e isso significa que não darão em lugar
nenhum aula digna desse nome. E abandonarão o magistério para
dedicar-se a tarefa mais rentável, que pode ser trabalhar em loja,
dirigir um táxi ou virar sacoleiro, vendendo bijuterias e roupas íntimas
em casas e escritórios vários.
Porém, graças a Deus existem os apaixonados. Os que acreditam e
amam. E porque amam com paixão apostam que o ser humano tem
potencial criador e foi feito para voar alto. Por isso usam como
instrumento de trabalho a garganta, o giz e o quadro-negro. Escrevem
textos e preparam apostilas. Emprestam livros para os alunos que não
têm dinheiro para comprá-los. Permanecem depois do horário das
aulas conversando com os jovens sedentos de prosseguir o diálogo
que lhes abre novos mundos com os quais sonhar e nos quais viver.
Onde não houver adicção, haverá paixão. Onde o melhor que há
nos seres humanos não estiver totalmente anestesiado, ali estará
um professor. E um aluno. E ali germinará entre ambos um processo
educativo que encontrará sua fonte na paixão pela vida, na fé que
responde ao desvelamento dos mistérios do conhecimento com reverência
e zelo.
Por isso, penso emocionada em todos os professores que marcaram
minha vida e me fizeram acreditar na educação como caminho e
estilo de vida. Em todos os colegas que ao longo de 25 anos me
ensinaram e ensinam a beleza de compartilhar uma paixão. Em todos
os alunos que, entra ano, sai ano, me revelam quem sou: professora
apaixonada pelo que faz e desejosa de fazê-lo sempre melhor. Feliz
Dia do Professor a todos e a todas! Sigamos apaixonados! Apesar de
tudo, vale a pena.
(*)Teóloga e professora da
PUC, in Jornal do Brasil
(IPAE
- 200-11/07)
Educação em Foco
Na
presente edição destacamos os fatos que foram notícias nos meses
de setembro e outubro de 2007.
Setembro
O
mês de setembro de 2007 foi marcado por uma série de eventos
educacionais no Brasil, iniciando uma série de debates e estudos
comparativos com trabalhos realizados em outras nações.
Dentre eles destacaram-se o 13º Congresso Internacional de Educação
a Distância, promovido pela ABED - Associação Brasileira de Educação
a Distância, na cidade de Curitiba e o V Congresso Internacional de
Educação Infantil, cuja iniciativa foi da Associação Brasileira
de Educação Infantil (ASBREI), tendo as atividades sido feitas no
Rio de Janeiro. Ambos mostraram, sob ângulos diferentes, a importância
de novas formas de pensar e fazer.
Também mereceu destaque o término do Ciclo de Debates sobre Idéias
para a Modernização da Educação no Brasil, organizado pela
Comissão de Educação do Senado Federal. Ao todo foram doze audiências
públicas das quais participaram as mais expressivas personalidades
educacionais brasileiras. O documento final trará propostas para
que existam políticas públicas voltadas para o setor.
No âmbito do ensino superior o destaque foi o Congresso
Internacional de reitores Latino-Americanos e Caribenhos, realizado
em Belo Horizonte. O principal tema foi a Universidade do Século
XXI e foram incentivadas parcerias entre as instituições do
continente.
A UNESCO organizou, em São Paulo, em conjunto com o Parlamento
Latino-americano, a Conferência Interparlamentar da América Latina
e Caribe. Representações de mais de vinte países estiveram
presentes buscando um maior relacionamento entre os povos da região.
Dentro desse contexto o governo brasileiro anunciou maiores recursos
para a área de Ciência e Tecnologia. Segundo dados do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico mais de R$ 15
milhões serão alocados para projetos de pesquisa e inovação.
Durante setembro o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
divulgou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio destacando
que estamos melhorando - embora lentamente - nos níveis de
qualidade da educação.
Ponto positivo é o crescimento da infra-estrutura para o maior uso
de tecnologias educacionais. Ponto negativo é a manutenção de
altos níveis de analfabetos plenos e funcionais.
Ainda no campo nacional tivemos a aprovação, pelo Conselho
Nacional de Educação, da primeira transformação de Centro
Universitário em Universidade. Esse posicionamento deverá abrir
uma tendência de crescimento das universidades - especialmente as
privadas - no Brasil.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi novamente
modificada. Desta vez um projeto foi aprovado pelo Congresso
Nacional e sancionado pelo Presidente da República definindo a
obrigatoriedade de ensino dos direitos das crianças e adolescentes
nas escolas de educação básica.
O Ministério da Educação, dentro do seu furor legislativo, editou
novas portarias e homologou pareceres do CNE que fixam regras mais rígidas
para implantação de instituições, cursos e polos de educação a
distância. Novos instrumentos avaliativos dificultarão o
funcionamento de cursos superiores, especialmente nas cidades de
menor porte.
Uma pesquisa elaborada pela Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e divulgada em setembro destacou
que entre os 34 países estudados o Brasil é o investe menos por
estudante do ensino básico. O valor apurado é de R$ 2.500,00. O
Chile, por exemplo, aplica mais do dobro. Há uma grande desproporção
com o que acontece no ensino superior, onde os gastos são de cerca
de R$ 17.000,00.
Da Inglaterra vem a notícia de que os pais serão responsabilizados
e punidos se deixarem de acompanhar os alunos em suas fases de
suspensão por indisciplina. O governo pretende que exista um
compartilhamento no cumprimento das penas entre escolas e família.
Assim foi setembro, prometendo uma série de novos debates
brasileiros e mundiais nos próximos meses do ano.
Outubro
O
mês de outubro de 2007 foi marcado pela realização de um
significativo evento internacional na cidade do Rio de Janeiro que
debateu o "Impacto das Tecnologias da Comunicação e da
Informação na realidade educacional". Promovido pela Associação
Brasileira de Tecnologia Educacional - ABT o 1º Congresso
Internacional de Tecnologia Educacional congregou especialistas dos
cinco continentes em torno do tema central.
Os resultados, bastante satisfatórios, mostraram que os programas
de uso de tecnologias no sistema de aprendizagem vêm sendo bem
absorvidos pelos alunos, embora tenha ainda muitas resistências por
parte dos professores.
O documento final destaca caminhos que podem ser usados pelos
formuladores de políticas públicas no Brasil e em nações em
desenvolvimento.
Também nesse mês o professor é homenageado, com o dia mundial, a
5 de outubro e a 15, no Brasil. Poucas festas ocorreram, como no
passado e sequer uma mensagem por parte do governo, foi emitida.
Aspectos positivos vieram da Semana de Ciência e Tecnologia que
mostrou relevantes trabalhos feitos por instituições de ensino,
entidades públicas e privadas e especialmente através de organizações
da sociedade civil.
O tema "terra" permitiu reflexões sobre a preservação
do nosso planeta e foram superadas as mais de oito mil atividades
notadas no ano anterior.
Causou impacto a avaliação dos cursos de mestrado e doutorado. Um
número significativo de programas possui nível de excelência
internacional. Atualmente há 2.266 cursos de pós-graduação
"stricto sensu" em funcionamento.
Novo estudo mostrou que há 2.457 instituições de ensino superior,
onde funcionam 38.236 cursos de graduação, com forte predominância
da rede privada que congrega 89,6% das casas de ensino.
Um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
afirmou que o Brasil tem a segunda maior taxa de analfabetismo na América
Latina, só perdendo para a Bolívia.
No Índice Global de Talentos, elaborado por consultorias americanas
e inglesas, o Brasil ficou em 23º lugares numa lista de 30 países.
Uma das razões é a alta relação de alunos por mestres. Temos 22
estudantes por docente. Nos Estados Unidos da América e no Canadá
é de 14 por um e na Itália, dez.
No âmbito internacional o maior encontro foi a 34ª Conferência
Geral da UNESCO, em Paris, que definiu estratégias de ações para
o período de 2008 a 2013.
Atualmente há 192 Estado-membros e diversas propostas aconteceram
com vistas a se ter um maior progresso especialmente nas nações
menos favorecidas.
A França anunciou o fim das aulas aos sábados nas escolas primárias
a partir do próximo período letivo, no outono de 2008. As aulas a
menos serão distribuídas pelos demais dias da semana. Nos finais
de semana as escolas serão abertas às atividades culturais e
esportivas.
A expansão do ensino do mandarim, idioma oficial chinês, vem sendo
financiada pelo país oriental em outras nações. Numa delas
(Inglaterra) os resultados tem sido bem recebido pelos alunos que vêm
grandes tendências de crescimento das oportunidades com os efeitos
da globalização.
A limitação do peso de mochilas escolares foi destaque na Itália.
Segundo um projeto de lei já aprovado na Câmara dos Deputados e em
apreciação no Senado, o material não deve pesar mais de 10 a 15%
do corpo da criança.
Um guia sobre educação alimentar nas escolas foi lançado pela FAO
(Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação).
O mesmo é dirigido a professores, nutricionistas e profissionais da
saúde. O objetivo é ensinar hábitos saudáveis às crianças para
diminuir as doenças relacionadas à má nutrição.
Segundo os dados da instituição 1,6 bilhão de pessoas no mundo
estão acima do peso e 400 milhões são obesas.
Outro estudo, feito pela UNESCO, mostra dados de 200 países acerca
dos gastos em educação. O líder absoluto é os Estados Unidos da
América que gasta 28% do total do universo. Bons números estão
mostrados também na Alemanha, Itália, França, Israel e Cuba.
O continente europeu destacou o crescimento do ensino superior
privado, através de um estudo lançado pela UNESCO. A mostra
analisou treze países do Velho Mundo e representa uma tendência
que deve ocorrer em outros continentes.
Por fim, a Arábia Saudita informa que está investindo US$ 12,5
bilhões para construir um centro acadêmico de ensino superior e
pesquisas. A futura instituição terá orçamento de cerca de 10
bilhões de dólares.
O principal objetivo é reduzir a defasagem tecnológica que existe
em relação ao Ocidente. O corpo docente será constituído por
renomados especialistas internacionais, selecionados nos países de
maior avanço educacional.
Assim foi o décimo mês do ano que mostrou esforços comuns para
que exista a melhoria da qualidade da educação no mundo.
(IPAE- 201-11/07)
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