Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
ano 11 - nº 72 - agosto de 2006
ISSN 1414-4778

 

    O que ainda falta ser feito na educação básica no Brasil

 João Roberto Moreira Alves (*)

 1 - O cenário da educação brasileira 

         O Brasil possui um extraordinário potencial, e estudos feitos por diversas organizações mostram as tendências positivas nos próximos anos.

         Ocupamos a 13ª colocação dentre as economias do mundo, e podemos subir sensivelmente nesse ranking nas próximas décadas.

         Nossa população, hoje de mais de 186 milhões de pessoas, deve chegar, em 2050, a 260 milhões.

         Possuímos 126 milhões de eleitores, o que demonstra uma significativa taxa de participação no processo democrático.

         No campo da educação, dispomos de uma rede composta por 212 mil estabelecimentos de ensino, atendendo aos 56 milhões de alunos, que são atendidos por 2,5 milhões de docentes.   Todas os 5.561 municípios possuem escolas de educação básica.

         A legislação civil não inclui a educação como bem público, embora afirme que é um direito de todos.

         As escolas particulares podem funcionar, desde que autorizadas pelo Poder Público.  Existem cerca de 35 mil colégios funcionando com cursos de educação básica e 2 mil atuando no nível superior.

         A legislação educacional assegura que as escolas podem definir seus projetos pedagógicos com liberdade, e é prevista uma responsabilidade compartilhada no processo educativo entre o Estado e a família.  

         O Sistema Educacional é estruturado através de três níveis: o Sistema Federal de Ensino, que congrega as unidades de ensino mantidas pela União e as instituições de ensino superior vinculadas à mantenedoras particulares, os Sistemas Estaduais (onde se inclui o do Distrito Federal) e os Sistemas Municipais, aos quais se subordinam as demais casas de ensino.

         Há norma constitucional que assegura que o ensino público, em todos os níveis e modalidades, é gratuito.

         As universidades e os centros universitários, estatais ou privados, gozam de autonomia administrativa, didática e financeira. Já as faculdades não possuem essa prerrogativa e seus atos são mais dependentes do Poder Público.

         Ao lado das escolas oficiais, existe uma significativa rede de cursos livres e centros de formação ou aperfeiçoamento profissional, chamados mais recentemente de universidades corporativas.   Têm liberdade plena de funcionamento pois independem de autorização ou credenciamento, não lhes sendo permitida a expedição de diplomas para exercício profissional.

         Existem importantes Centros de Pesquisas, onde se vê uma considerável produção científica.

         A educação é dividida em dois grandes grupos: básica (congregando a educação infantil, o ensino fundamental e o médio) e o superior (com cursos de graduação, extensão e pós-graduação, que se subdivide em especialização, mestrado e doutorado).

         São previstas as possibilidades de educação a distância, muito embora a grande predominância seja do sistema presencial.

         A matrícula, obrigatória no ensino fundamental, cuja duração é de nove anos, deve ser feita aos seis anos de idade. A educação infantil, feita em creches e pré-escolas, tem liberdade quanto aos dias letivos.  O ensino médio e superior têm duração variável, conforme o tipo de curso.

         São exigidos pelo menos 200 dias letivos (exceto no segmento infantil).

         Há programas voltados para a educação de jovens e adultos que não conseguem completar seus estudos dentro das faixas etárias recomendadas. São notadas algumas iniciativas para a alfabetização de adultos.  

         Dentro desse cenário funciona a educação em nosso país.

 

2. - Aspectos históricos

 

         A educação foi iniciada no Brasil após meio século do descobrimento.

         A primeira escola foi criada em 1549 pelos Jesuítas, que administraram o sistema educacional, com exclusividade, por 210 anos.

         Somente em 1759 é que o Estado intervém no processo, chamando a si a responsabilidade pela administração das unidades de ensino.

         Durante quatro séculos somente existiam escolas básicas.  O ensino superior iniciou-se, de forma tênue, com a chegada da Família Real, em 1808,  e a primeira universidade somente foi criada na década de 1920.

         Quando éramos Brasil Colônia todas as regras vinham de Portugal. Com a independência, as normas passaram a ser nacionais, reforçando-se esse princípio com a proclamação da República.

         As reformas da educação se sucederam, assim como os avanços e retrocessos.   É incontável o número de propostas modificativas dos sistemas, e poucas são as análises de resultados.

         Vale um registro das mudanças sucessivas dos responsáveis maiores pela educação brasileira.   Em nossos 184 anos de Independência  estamos em nosso 174º ministro encarregado pela pasta, o que representa uma média assustadora de 1,5 ministro/ano.

         Em termos de leis somos pródigos, e hoje contamos com mais de 100 textos vigentes no âmbito nacional, sem contar com as leis estaduais e municipais.   Não dispomos de uma Consolidação da Legislação do setor, o que dificulta saber o que é permitido e o que é proibido.

        

3. - As deficiências do sistema educacional brasileiro

 

         Apesar da pujança do Brasil, investimos pouco na educação. Dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento) mostram que a média internacional é de 4,9% do Produto Interno Bruto.  O governo aplica apenas 4,3%, o que nos coloca em posição de inferioridade, se comparada com outras nações.

         Além de aplicarmos pouco o fazemos mal.   O custo médio anual do aluno no ensino fundamental é de R$ 905,00; no ensino médio, R$ 950,00 e no superior, R$ 11.480,00. 

         A distorção entre a educação básica e superior gera múltiplas conseqüências, como veremos a seguir.

         As estatísticas mostram que temos 40 milhões de jovens fora da escola e 16 milhões de analfabetos plenos.

         0s erros do passado fizeram com que o nosso universo eleitoral, composto por pessoas acima de 16 anos, seja constituído por 8.276.338 (6,57%) analfabetos, 21.301.780 (16,92%) que só sabem ler e escrever, 43.786.924 (34,77%) que não completaram o ensino fundamental e 9.915.887 (7,88%) que possuem apenas essa fase da educação.  Os pouco aquinhoados pela educação somam 83.280.929 eleitores, correspondendo a 66,14%.   Os graduados em nível superior chegam somente a 4.190.267 (3,33%) e o restante (apenas com o ensino médio ou superior não concluído) completa o quadro de 125.915.479 aptos a eleger nossos legisladores e governantes.

         Temos 34,6 mil escolas sem luz, e 50,9 mil estabelecimentos de ensino possuem apenas uma sala de aula.

         Apenas 20 mil unidades educacionais possuem laboratórios de informática, e tão somente 22,6 mil têm acesso à internet.    Quarenta e três por cento das cidades não estão contectadas à rede mundial de computadores por banda larga, dependendo dos altíssimos custos de acesso discado. Muitos municípios têm que fazer ligações interurbanas para alcançarem as comunicações virtuais.

         Ao lado dessa penúria de infraestrutura, temos aproximadamente R$ 4 bilhões decorrentes do FUST - Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações contingenciados pelo governo federal, ajudando a termos um vultoso superavit primário. 

         O atual Executivo Federal gastou nos últimos três anos (2004 a 2006) R$ 985 milhões em verbas de publicidade para mostrar os seus feitos, inclusive na educação.

         Podemos afirmar que há uma universalização de acesso ao ensino básico mas, no superior, apenas 9% dos jovens de 18 a 24 anos conseguem chegar à universidade.   No Chile essa taxa é de 21% e na Argentina, 39%.

         O ponto crucial da educação brasileira, especialmente a básica, é a baixa qualidade, que provoca repetência e evasão considerável.  Os desperdícios são imensos e as conseqüências, irreversíveis.

         Falta uma política para a educação.

         O país não tem um Plano Nacional de Educação viável.   O aprovado há alguns anos pelo Congresso Nacional foi abortado pelo Executivo que vetou diversos dispositivos que poderiam ter auxiliado na diminuição das desigualdades sociais.

         Há programas nacionais, normalmente de curto ou médio prazos, objetivando atender a interesses muito mais políticos do que técnicos. A cada troca de Ministro, normalmente os projetos são abandonados e iniciam-se outros novos.

         Em matéria de educação, somos o país do "já teve".   Ao procurarmos os resultados de boas iniciativas, quando encontramos na esfera governamental alguém que ainda se lembra, há a assertiva de que o mesmo não mais existe ou está sendo reformulado.

         Essa regra acontece no Governo Federal e em muitos Estaduais.

         Já nos Municípios vê-se um processo mais sólido de continuidade pois, apesar das trocas de chefias, as equipes são quase sempre mantidas, até mesmo por falta de opção.  Os contingentes de servidores são menores e mais comprometidos com a população.   Ademais, é mais fácil o povo localizar e dialogar com o Prefeito ou com o Secretário Municipal do que com o Governador do Estado ou  o Presidente da República, tornando a cobrança mais fácil de ser feita.

 

4. - O que ainda falta ser feito na educação básica

 

         Entramos agora na parte principal de nosso estudo: o que ainda falta ser feito para democratizarmos a educação de qualidade.

         Listamos alguns aspectos, não por ordem de importância ou prioridade eis que as mesmas divergem de região para região.

         Um dos primeiros pontos é a melhoria da formação dos docentes e dos administradores educacionais.

         Em nenhum segmento se atinge resultado satisfatório, se a equipe não for capacitada corretamente.  Dois focos precisam ser observados: o primeiro, na formação das novas pessoas que atuarão nas escolas, e o segunda, na requalificação dos atuais profissionais.

         Existem no Brasil cerca de 2.300 instituições de ensino superior. Segundo os dados oficiais do Ministério da Educação, há em funcionamento 1.754 cursos de pedagogia e 1.028 cursos normais superiores.  0s docentes são graduados por ambos, adicionando-se os que vêm das licenciaturas.   É importante frisar que não se deve adicionar os quantitativos eis que normalmente as universidades, centros universitários, faculdades ou institutos superiores de educação que possuem um curso têm também o outro.

         Partindo de um universo de aproximadamente 1.900 instituições, pode-se concluir que não é impossível um programa de modernização desses centros de formação.

         O Conselho Nacional de Educação recentemente baixou novas diretrizes para a pedagogia e deu os primeiros passos, mas ainda há muito a ser percorrido nessa empreitada.

         Não se deve deixar de lado também as escolas normais que, como unidades de educação básica, podem graduar professores para as primeiras séries do ensino fundamental e para atuar nas escolas de educação infantil.

         Modernizar os currículos, dando-lhes subsídios para aprimorar os métodos, fará com que os que ingressarem no mercado o façam com mais competência.

         Precisamos "consertar as máquinas que fazem produtos defeituosos" e acompanhar a qualidade das mesmas para evitar futuras distorções.

         O segundo ponto vincula-se a criar um sistema capaz de "consertar os produtos que foram fabricados com falhas". Fazer o "recall" já é uma praxe no mundo industrial e precisa ser adotado no educacional.

         Esse processo de melhorar os produtos que já estão no mercado deve ser realizado pelas instituições que os formaram e não através de programas emergenciais feitos pelo próprio governo.

         Muito tem sido feito de positivo mas não deve caber ao Ministério da Educação esse papel.  Aliás, ele não tem essa atribuição.  

         As universidade e demais instituições de ensino podem realizar de forma correta essa empreitada, desde que lhes sejam dados os recursos necessários.

         A educação continuada é fundamental no mundo moderno.

         É preciso, portanto, ser feito como elemento basilar, uma ampla reforma dos sistemas de formação e requalificação dos docentes.

         Impõe-se também que sistema semelhante seja feito com os administradores educacionais, responsáveis pela eficiência das atividades-meio.  Nenhuma professor consegue ministrar uma boa aula se a estrutura for ruim.

         Superada essa premissa temos que investir em tecnologia educacional.

         As escolas e, em especial, os professores e gestores não podem ficar desconectados do mundo.   

         Não bastam computadores, televisões e outros equipamentos. É imprescindível um sistema operacional que funcione bem como, programas, profissionais de várias áreas e uma rede integrada com custos baixos.

         Aplicando-se uma parcela considerável das verbas existentes através de um programa emergencial, isso é possível.

         A questão de remuneração dos professores, pessoal técnico e  administrativo é importante mas é sabido que, com uma boa administração pública os recursos surgem. Valorizar o magistério é remunerar condignamente e, dar importância ao professor é fundamental.

         Um outro ponto vincula-se à existência de escolas fisicamente bem instaladas e conservadas.   Quando os espaços físicos são bons, existem equipamentos, biblioteca e outros insumos a motivação para atingir os resultados aumenta sensivelmente.

         Vale registro que falta também um amplo processo de mudança no relacionamento com as famílias e com os alunos.

         Normalmente os pais são ausentes no processo de educação dos filhos, e quando intervêm exigem dos professores sistemas rígidos de trabalhos domiciliares.   Há um mito que escola que não "dá dever de casa é ruim", e isso cria um círculo vicioso.   Os docentes, normalmente criados dentro desse sistema, vingam seus sofrimentos do passado com o uso das mesmas práticas de anos atrás.

         Ao exigirem que alunos estudem inutilidades, fazem com que milhões odeiem a escola, e o que deveria ser bom passa a ser horrendo. Daí a evasão e a repetência, ambos gerados pela falta de motivação.

         O sistema de avaliação, quase sempre calcado em provas onde pouco se exige do raciocínio e muito se quer da "decoreba", reprova bons alunos e promove medíocres.

         Os conteúdos constantes de muitos livros didáticos mostram que há páginas de mais para assuntos de menos. O Programa Nacional do Livro Didático, que funciona operacionalmente bem peca por fazer com que as editoras padronizem conteúdos ensinados de norte a sul, de leste a oeste, num país com dimensões continentais, e isso obviamente não dá certo.

         Falta, portanto, uma revisão dos conteúdos e um forte ajuste à realidade regional e local.   Ensinar meio ambiente ou programas de saúde, por exemplo, de maneira igual em todo o Brasil é uma aberração.

         Pior ainda é fazer-se uma sistema nacional de avaliação aplicando a mesma "prova Brasil" em todas as partes.  Querem que os desiguais sejam iguais.

         É preciso também fomentar novas lideranças.  A escola tem um papel fundamental de formar cidadãos comprometidos com os valores morais e com o seu país.   O regime autoritário pelo qual o Brasil passou eliminou os grêmios e diretórios estudantis que eram espaços naturais para o surgimento de líderes.

         As escolas não incentivam, talvez por receio de questionamentos quanto às suas práticas, os movimentos dos estudantes.

         Os estabelecimentos de ensino não perderão, se houver uma reversão nesse modo de agir.

         Faltam noções de patriotismo nas escolas.   O Brasil não é um "time esportivo" que disputa uma competição temporária.   Passando a época da Copa do Mundo quase não se vê  bandeiras nacionais tremulando nas vias públicas.   Os símbolos são esquecidos, e sem o exemplo da escola não se criam bons governantes e eleitores conscientes.

         Carece também o nosso país de um amplo processo de difusão dos direitos e deveres na educação.   Não há um serviço público que assegure responsabilidades de alunos, educadores, governo e sociedade.

         Muitos outros pontos poderiam ser evidenciados mas gostaríamos de traçar alguns aspectos finais.

         Todas essas considerações, fruto de uma vivência de mais de três décadas no campo da educação e estudo sobre a educação nos 500 anos de Brasil, são feitas dentro de um espírito colaborativo.

         Reconhecemos que milhares de pessoas bem intencionadas trabalham pró uma educação de qualidade no Brasil e conseguem muitos avanços, mas falta-nos uma política educacional ampla e compromissada com o futuro.

         A questão educacional não é um assunto de governo.   É de estado.

         Somente com um novo Plano Nacional de Educação, de longo prazo e ajustado aos interesses da sociedade, se atingirão resultados.  É imprescindível que existam os desdobramentos através dos Planos Estaduais e Municipais, adequando as metas globais a cada região.

         Mais ainda que um Plano, é preciso que exista a vontade de fazer.

         Dizem os estudiosos que existem dois futuros:  um é o chamado futuro do destino, onde as coisas acontecem dentro de um processo natural; outro é o futuro do desejo, decorrente das ações efetivas que exercemos.

         Que possamos ser parte integrante desse último que faz acontecerem as transformações! 

 (*) Presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação e
     da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional

  (IPAEduc - 139-08/06)

 

EXPEDIENTE

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FICHA CATALOGRÁFICA
Carta Mensal Educacional
- N. 1 (dez. 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, 1996 - N.1 ; 29.5 cm   Mensal
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