Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
ano 11 - nº 68 - abril de 2006
ISSN 1414-4778

 


0s desafios da educação a distância no Brasil
 

João Roberto Moreira Alves (*)

       0 ano de 2006 traz grandes desafios para o desenvolvimento da educação a distância no Brasil, especialmente tendo em vista os resultados positivos que foram alcançados ao longo dos primeiros anos desta nova década.
       
        Após um longo período de descrédito da EAD que decorreu, especialmente, de posicionamentos errôneos adotados pelo Poder Público, por mais de vinte anos, onde alguns Ministros da Educação classificavam a metodologia como um processo de ensino de segunda classe, a pressão exercida por algumas entidades fez com que se notassem avanços no setor.
       
       Uma prática que permitiu grandes debates foi a realização de uma série de eventos.  Inicialmente, os Encontros Nacionais e, posteriormente, os Congressos Brasileiros e Internacionais de Educação a Distância permitiram que, a partir de 1989, especialistas se reunissem com absoluta regularidade, em várias cidades brasileiras.(1)
 

       Também tem sua parcela positiva a edição de trabalhos científicos em muitos periódicos (2) através de autores nacionais e estrangeiros.    

        As conclusões dos congressos e os posicionamentos doutrinários influenciaram na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que incorporou a EAD no contexto legislativo, e permitiram mudanças comportamentais por parte do Conselho Nacional de Educação, que credenciou, em 1988, as primeiras instituições para ministrarem cursos superiores num sistema semi-presencial. (3) 

        Entre a edição da LDB e o início de 2006, várias normas foram baixadas pelo Ministério da Educação, objetivando regulamentar a EAD em nível superior, e pelos Sistemas Estaduais de Educação, na educação básica.

       Foram notados credenciamentos de 136 instituições públicas e privadas de ensino superior (entre universidades, centros universitários, faculdades e instituições especializadas) e aproximadamente 200 escolas fundamentais e médias, em todo o país. Apesar de ser um número ainda reduzido, se compararmos com os 220.000 estabelecimentos de ensino distribuídos por todas as Unidades da Federação, vemos excelentes programas sendo realizados tanto por grandes como por pequenas organizações. 

       A implantação da metodologia por instituições bem referenciadas ajudou a referenciar a EAD, permitindo que os brasileiros vissem que o sistema não servia somente para facilitar a obtenção de diplomas, como apregoavam os predadores do passado. 

       Paralelamente, o Executivo Federal criou a Secretaria de Educação a Distância, trazendo-a para o âmbito do Ministério da Educação e consolidando os trabalhos esparsos desenvolvidos por vários setores do governo.  Isso fez com que se demonstrasse, no cenário das políticas públicas, que existia um reconhecimento à irreversibilidade da EAD no Brasil. 

       0 término de uma fase de expectativas sobre a EAD brasileira se deu exatamente nove anos após a edição da Lei de Diretrizes e Bases, com a publicação de um novo decreto, permitindo a criação de programas de pós-graduação stricto sensu a distância. 

       Complementando essa demonstração de vontade, o MEC articulou a criação do projeto Universidade Aberta do Brasil que não chega a ser propriamente uma universidade aberta como existem em vários países e pretendiam os projetos de lei que tramitaram no Congresso Nacional desde 1972 (4) e foram abortados por um malfadado Parecer do finado Conselho Federal de Educação. (5) 

       Feitas essas considerações sobre o passado recente da EAD, podemos compartilhar algumas prospecções acerca dos desafios para 2006. 

       Em primeiro lugar, entendemos, encontra-se a regulamentação dos programas de mestrado e doutorado a distância, cuja incumbência foi delegada, pelo Decreto nº 5.622, de 19 de dezembro de 2005, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (6).

       As normas complementares para o funcionamento do stricto sensu a distância terão uma grande importância, não em termos de quantidade de cursos, mas em relevância estratégica, pois será possível se ter, em todos os níveis, programas de EAD.
0 prazo para a edição dessas regras foi fixado em 180 dias contados da publicação do decreto, que ocorreu no dia seguinte à supramencionada.  

       Um segundo item vincula-se à concessão de tratamento tarifário diferenciado para os programas com o uso da metodologia.   Hoje paga-se  no Brasil o mesmo custo para se transmitir conteúdos pedagógicos ou pornográficos, muito embora a legislação assegure preços especiais para o primeiro. Para que essa perversa regra seja mudada, basta um decreto específico por parte da Presidência da República. 

       Uma seqüência de itens, listados não por ordem de relevância ou prioridade, se apresenta como desafio. 

       A questão passa pela infra-estrutura e pela logística, especialmente nas escolas públicas de educação básica, onde apenas 5,8% dos estabelecimentos de ensino possuem mais de dez computadores e tão somente 13,6% acessam a internet. (7) Sem que existam fortes investimentos no setor a EAD, será elitista e não permitirá a democratização da educação de qualidade, especialmente para os excluídos socialmente. 

       Será importante que em breve os Estados, por meio especialmente dos Conselhos e Secretarias Estaduais de Educação, adaptem suas normas ao Decreto de 2005, sem criarem exigências absurdas que impeçam os projetos nacionais, e que não excluam das oportunidades de ascensão funcional os servidores públicos que obtiverem seus ensinamentos por meio de cursos ministrados por EAD. (8) 

        A regulamentação criada pelo MEC impôs que exista, na própria esfera governamental, um sistema de transparência de todas a informações.  Isso será importantíssimo para que todos tenham acesso ao que já existe e ao que está tramitando no governo. (9) 

        Precisamos ter também no Brasil um maior número de trabalhos acadêmicos bilíngües sobre as experiências bem e mal sucedidas em EAD e portais eletrônicos ou impressos para que as mesmas sejam bem difundidas. A doutrina ainda é reduzida, se comparada com outras nações, muito embora os níveis qualitativos sejam satisfatórios.

        A produção de material didático iniciará uma fase de uso com menor intensidade dos "conteudistas" em favor da adoção de textos eletrônicos ou convencionais utilizados nos cursos presenciais. Para que é preciso se reescrever o que já há com tradição e reconhecimento público no mercado editorial? 

       No contexto das instituições que já adotam programas de EAD, o desafio é a viabilização econômico-financeira dos empreendimentos, sem perder a qualidade. Muitas iniciativas bem estruturadas pedagogicamente estão sendo sacrificadas por não alcançarem os resultados esperados pelos empreendedores. 

       A figura do "tutor" tende a ser substituída (pelo menos na nomenclatura).   A definição jurídica do termo afirma que é uma pessoa responsável por um incapaz.   As instituições e os próprios alunos não aceitarão ser equiparados aos desprovidos de poderes.   Uma das missões dos especialistas é encontrar um novo termo, mais adequado. 

       Será desafiador repensar o conceito de avaliação.   Face aos avanços das tecnologias, continuará sendo preciso deslocar alunos ou avaliadores para um encontro presencial e uma verificação "cara a cara"? 

       Vale registrar também que um dos desafios é a adoção, com maior intensidade, de conteúdos das disciplinas dos cursos superiores de graduação.   Uma portaria ministerial permite que 20% da carga horária sejam desenvolvidos de forma semi-presencial.   0 percentual, definido de forma aleatória, precisa ser abolido sendo transferida às instituições de ensino tal atribuição, conforme as características peculiares de cada projeto e  as condições próprias de cada casa de ensino. 

       0utra tarefa relevante será a de convencer os Tribunais de Contas a aceitar a aplicação de recursos públicos com uso da metodologia.

Em alguns Estados há restrições de que prefeituras façam gastos em programas de EAD. 

       A adequada formação de profissionais para a educação ganhará espaços, especialmente para atender às demandas que surgirão nas instituições públicas.  Capacitá-los corretamente é um dos desafios. 

       Chegando-se a um dos itens mais freqüentes nos dias de hoje - os eventos realizados sobre EAD, é preciso que sejam planejados de forma mais harmônica, evitando desperdícios de esforços e repetições de temas.   Já foram realizados ou estarão sendo promovidos congressos, seminários, encontros e outros de denominação similar, por diversas organizações (10) com fins lícitos mas que acabam congregando o mesmo público. 

       0 mais significativo será a Conferência Mundial de EAD que será realizada no Rio de Janeiro em setembro de 2006 (11),representando um grande passo para se mostrar as potencialidades da EAD não só no Brasil como no Mundo.   Será talvez o mais importante desafio para que se dê uma cabal demonstração da capacidade dos brasileiros em fazer uma EAD adequada às reais necessidades de uma nação com características tão próprias como as notadas em todo nosso país.   

       Por fim, cremos, que o maior desafio é o de continuidade do que está dando certo.   Muitas das vezes vemos, quando há troca de governos, que são apresentadas coisas boas e novas.  Geralmente, os dois termos não representam uma sintonia, onde as boas são antigas, e as novas, ruins.  

       Em matéria de educação o Brasil é o país do "já teve".   Quantos programas excelentes foram abandonados simplesmente por terem sidos de uma equipe que deixou o poder? 

       Construindo-se as bases sólidas, a manutenção dos atuais governantes ou  a escolha de novos não trará grandes reflexos nas políticas públicas e ações práticas no setor.

 

 

João Roberto Moreira Alves
Presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
Presidente da Associação Brasileira de Tecnologia Educacional e
Diretor de Relações com o Poder Público da Associação
Brasileira de Educação a Distância

 

(1) 0s quatro primeiros Encontros Nacionais e os três Congressos Brasileiros foram realizados pelo Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, no Rio de Janeiro.   Com a criação da ABED, os mesmos foram transferidos à nova entidade que os realiza até hoje;
(2) Revista Brasileira de Educação a Distância editada pelo Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, Tecnologia Educacional, editada pela Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, e Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância, editada pela Associação Brasileira de Educação a Distância;
(3) A primeira instituição de ensino credenciada para programas de pós-graduação a distância foi a Associação Brasileira de Tecnologia Educacional, na década de 80.  Somente em 1998 houve um novo credenciamento, para curso de graduação (Universidade Federal do Pará):
(4) 0 primeiro Projeto de Lei objetivando a criação da Universidade Aberta no Brasil foi o de nº 962/72, sendo autor o Deputado Alfeu Gasparini;
(5) Parecer do Conselho Federal de Educação sendo relator Newton Sucupira;
(6) Decreto nº 5.622, de 2005, artigo 25, parágrafo 2º;
(7) Situação das Tecnologias de Informação e Comunicação e da educação a distância (in portal do MEC/SEED);
(8) Decreto supracitado, artigo 29, que determina padronização de normas em 180 dias contados da publicação;
(9) Idem, artigo 8º, que prevê um sistema de informação aberto ao público;
(10) 0s eventos sobre EAD vêm sendo realizados pela Associação Brasileira de Educação a Distância, Associação Virtual Educa Brasil, CREAD - Consórcio-Rede de Educação a Distância, RICESU - Rede de Instituições Católicas de Ensino Superior, Uni-Rede e outras;
(11) A Conferência Mundial de Educação Aberta e a Distância (22nd World Conference on 0pen Learning & Distance Education do ICDE), que será realizada pela ABED, de 1º a 5 de setembro de 2006, no Rio de Janeiro.

(IPAEduc - 142-04/06)

 

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FICHA CATALOGRÁFICA
Carta Mensal Educacional
- N. 1 (dez. 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, 1996 - N.1 ; 29.5 cm   Mensal
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1. Direito Educação - Rio de Janeiro - periódico. I.  Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação. CDU 37.014.1(05)