Carta Mensal
Educacional

Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
ISSN 1414-4778

ano 17 - nº 110 - outubro de 2009

 

As interferências políticas e sociais nas instituições de ensino superior

João Roberto Moreira Alves (*) 

         As instituições de ensino superior em nosso país, desde a sua criação, não tiveram um desenvolvimento linear sofrendo, sempre, interferências políticas e sociais. Desde a década de 60, o ensino superior, vem debatendo-se com uma problemática complexa: a de definir-se como ensino superior geral ou profissionalizante, autônomo ou comprometido com as forças políticas dominantes, sempre voltado para uma clientela que cresce em número e em heterogeneidade social, num mundo técnico e cientificamente cada vez mais rico e complexo e em sociedades cada vez mais desiguais.

         Por isso, a preocupação com a problemática do ensino superior tem sido uma constante na literatura educacional mundial e nacional, nos últimos anos. Que motivos suscitaram este interesse? Entre os mais significativos podemos citar a chamada “crise estudantil”, a expansão quantitativa do ensino superior e a "explosão” do conhecimento científico.

         A crise estudantil que abalou o mundo universitário, principalmente no final da década de sessenta e inicio da década de setenta, provocou muitos questionamentos dentre os quais, os que visaram aos próprios objetivos e funções das instituições de nível superior e sua interação professor-aluno, ao sistema de avaliação, à participação e co-gestão dos estudantes no desenvolvimento e planejamento das atividades, etc.

         Não menos importante é o fenômeno da expansão quantitativa do ensino superior, que vem abalando o mundo universitário, particularmente em nosso país. O ensino superior, que  tradicionalmente se caracterizou por ser um ensino de elite, vem transformando-se, rapidamente, em um ensino de massa. Este fato nos coloca diante de problemas que se caracterizam como autênticos desafios: - como conciliar um ensino de massa com um ensino de excelência? - deixando o ensino superior de ser privilégio de poucos e abrindo suas portas para um número cada vez maior e diferenciado de estudantes, como conceber a “qualidade do ensino” a partir dos nossos parâmetros e características da clientela universitária?

         Paralelamente ao aumento de número de estudantes, assistimos a um outro processo de expansão que, igualmente, influencia os programas e métodos do ensino superior. Trata-se da explosão dos conhecimentos: a massa dos conhecimentos humanos cresce segundo uma curva exponencial. Até mesmo as fronteiras entre muitos dos campos do saber, antes delineadas como gozando de uma certa autonomia, vão desaparecendo, à medida que se atribui maior ênfase à articulação entre as diferentes ciências, a sua complementariedade e interdependência.

         Estes fatos, sem exceção, não encontram sua explicação nos limites internos do “sistema educacional”. São tributários diretos do sistema social global. Endente-los no seu contexto é fundamental para qualquer tipo de ação renovadora.

         Dificilmente poder-se-á afirmar que a solução da questão universitária brasileira está restrita à recuperação da qualidade do ensino ministrado dentro das escolas. Entretanto, é impossível pensar em qualquer solução que não inclua a variável qualidade de ensino, como fundamental. Trabalhá-la como se fosse “a questão” é equivoco tão grande quanto não trabalhá-la por considerá-la “fora da questão fundamental”. Nem vale a objeção de que otimizando o ensino estaremos reforçando ou tornado eficaz os modelos inadequados que aí estão. A verdade é que, onde se busca a qualidade do ensino superior, os seus modelos estão submetidos à crítica e a contestação.

         O processo de ensino-aprendizagem no ensino superior só pode ser encarado no contexto institucional e político-social em que se situa. Portanto, qualquer tentativa de melhoria deste processo tem de partir da análise das diferentes variáveis que nele atuam. No entanto, muito pouca atenção tem sido dedicada pelas instituições de ensino superior a analise das condições reais em que se desenvolve o processo de ensino-aprendizagem.

         No relatório final de uma pesquisa realizada sob o patrocínio do “Programa Comum de Pesquisa - UNESCO - Associação Internacional das Universidades sobre o Ensino Superior”, afirma-se:

“... os estabelecimentos de ensino superior, até o presente, reservaram uma última parte de seu orçamento anual e uma parte igualmente irrisória do seu tempo e de seus esforços ao estudo da teoria e da prática do seu próprio funcionamento (...)”.

         Disso se segue que, no final de contas, muito pouco se sabe acerca do atual estado do ensino superior; ignora-se quase tudo, por exemplo, da medida em que diversas técnicas são empregadas isoladamente ou em combinação, e sabe-se ainda menos da sua eficácia do ponto de vista da aquisição de conhecimentos. Dispõe-se de pouquíssimos estudos a respeito, inclusive na escala das instituições individuais, para não falar da escala nacional; quanto às sínteses e comparações que são pura e simplesmente inexistentes “.

         Esta afirmação retrata a nossa realidade. Entretanto, principalmente nos últimos anos, algum esforço tem sido realizado no sentido da caracterização da problemática de ensino-aprendizagem no âmbito universitário, pelo menos a nível institucional. É este o ponto de partida para qualquer ação planejada: o conhecimento da realidade tal como esta é percebida pelos principais agentes implicados no processo-professores e alunos.

         Embora não se possa pretender que as instituições de ensino superior sejam suficientes para dar solução a toda esta complexa problemática, é lícito esperar que elas reflitam sobre suas próprias possibilidades de mudança e ajustamento.

         A escola não é o primeiro, nem o único agente da educação, mas cabe-lhe a responsabilidade de ser o agente específico do ensino formal em nossa sociedade. Diante das massas de estudantes que lotam as escolas, a preocuparão maior é com a qualidade do ensino.

         O problema da qualidade do ensino de nível superior não foge ao parâmetro básico da relação didática professor-aluno, da relação ensino-aprendizagem. Entretanto, as características específicas desta relação parecem não ressaltar. A relação, a nível superior, vem repetindo, de fato, a do ensino básico: relação de transmissão de conhecimentos estabelecida na situação “aula”.

         O salto de qualidade metodológica da prática do ensino superior - a desejada indissociabilidade ensino-pesquisa - não é de fato realizada. Talvez pela ausência de condições estruturais e físicas, e/ou pela inércia que leva à repetição dos modelos dos níveis anteriores de ensino. Nem o aluno, nem o professor tomam consciência desta postura diferente, própria a um nível de ensino.

         Partindo do princípio que a problemática do ensino superior importantes, não esgotam toda a problemática do ensino. Pode-se, para efeito de reflexão, destacar os seguintes:

         1. Características do corpo docente: qual sua formação? Nível de especialização? Possibilidades de atualização? Participação nas instâncias decisórias da escola?

         2. Corpo discente: há coerência entre a expectativa dos alunos e os objetivos de instituição? Quais as formas de participação que lhes são garantidas? Estão definidas e explicitadas suas responsabilidades na instituição?

         3. Currículos: qual sua ligação com a realidade? (o meio imediato do exercício da profissão e o contexto mais amplo da sociedade).

         4. Os processos de ensino ou tecnologias educacionais: reduzem-se à exposição teórica e ao uso do texto? Levam em conta as diferenças individuais ou o número de alunos das turmas? Apoiam-se em objetivos bem definidos. Dispõem de recursos audiovisuais, laboratórios, “atelier”, etc.

         5. A avaliação: é contínua, formativa? Ou só ocorre à guisa de critério de aprovação; é somativa? Esses e outros aspectos específicos do ensino adquirem toda sua dimensão quando situados frente aos fins a que a instituição se propõe e frente à problemática mais ampla da sociedade em que ela se insere.

(*) Presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

(IPAE 186- 10/09)

 

EXPEDIENTE
  • Publicação mensal do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.
  • Exemplares arquivados na Biblioteca Nacional de acordo com a Lei nº 10.944, de 14 de dezembro de 2004 (Lei do Depósito Legal)
  • ISSN (International Standard Serial Number) nº 1414-4778 conforme registro no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - IBICT (Centro Brasileiro do ISSN), vinculado ao Ministério de Ciência e Tecnologia.
  • Editora do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação cadastrada no ISBN (International Standard Book Number) sob o nº 85927 conforme registro na Biblioteca Nacional.   
  • Reprodução Permitida desde que citada a fonte
     
  • Editor Responsável - João Roberto Moreira Alves
     
  • Edição e Administração
    Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
    Caixa Postal 21.123 - CEP 20110-970 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil

    http:// www.ipae.com.br - e-mail: ipae@ipae.com.br


FICHA CATALOGRÁFICA
Carta Mensal Educacional
- N. 1 (dez. 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, 1996 - N.1 ; 29.5 cm   Mensal
Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.
1. Direito Educação - Rio de Janeiro - periódico. I.  Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação. CDU 37.014.1(05)