Carta Mensal
Educacional

Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
ISSN 1414-4778

ano 18 - nº 107 - julho de 2009

Restrições à liberdade pedagógica: o retrocesso de 250 anos imposto pelo governo federal às escolas brasileiras 

João Roberto Moreira Alves (*)

As restrições à liberdade intelectual sempre foram condenadas em todas as épocas da humanidade e esse princípio deve permanecer como regra básica para o progresso dos seus povos.
Na história de diversas nações, dentre as quais a do Brasil,  há registros de tristes momentos em que, por força de atos discricionários, detentores do poder impuseram restrições à edição e circulação de livros e outros textos e pensamentos, como forma de sufocar idéias e, especialmente, de demonstrar força e poder dos governantes.
No meio educacional esses tristes episódios aconteceram em épocas diversas, desde o período da Colônia até a República.
Felizmente vemos hoje consagrado em nossa Constituição Federal o pleno direito às manifestações, por todos os meios, demonstrando que atingimos a maturidade de um país democrático.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no capítulo que trata dos  Princípios e Fins da Educação Nacional assegura, em seu artigo segundo, que "A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
Logo a seguir afirma que "O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas".
Em seu artigo doze estatui que "Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;"
Os textos legais não deixam dúvida que não vivemos em um país onde regras ditatoriais são impostas às escolas, com disposições absurdas de restrições pedagógicas.
Mas, será isso absoluta verdade?
Infelizmente não!
O Ministério da Educação, através de sua Secretaria de Educação Superior, sob o pretexto de atualização de acervos, passou a exigir que as universidades, centros universitários e faculdades retirem as obras do autor Damásio Evangelista de Jesus das bibliografias básicas e complementares das disciplinas de Direito Penal e de Direito Processual Penal.    Essa aberração pode ser vista nos termos de saneamento de deficiência dos cursos de Direito de inúmeras instituições. Adiciona uma justificativa afirmando que "o motivo é simples: à vista da Comissão de Especialistas, as obras do autor estão ultrapassadas e não mais respondem aos atuais questionamentos das disciplinas supracitadas."
A interferência é, sob o ângulo de um país democrático, no mínimo intolerável.
Estamos voltando a 1759, quando  princípios semelhantes levaram D. José I, rei de Portugal, que ainda dominava todas as Colônias, estabelecer a primeira reforma do ensino aplicada ao Brasil, sob a influência de Marques de Pombal.
No histórico documento, ordenado há 250 anos, consta proibição para o ensino nas escolas das obras de  Manoel Alvares, Antonio Franco, João Nunes Freire, João Soares e de Madureira.  Também justificava sua decisão afirmando que as mesmas contribuíam mais para fazer dificultoso o estudo da latinidade no reino e por serem inúteis.
No documento de 2009, o governo brasileiro diz que se for identificado o descumprimento de quaisquer das cláusulas pelas instituições será instaurado, de imediato, o processo administrativo que poderá levar ao encerramento de atividades do curso.
Já no instrumento jurídico de dois séculos e meio atrás constava que os que descumprissem a determinação seriam logo presos para serem castigados ao "meu real arbítrio" e não poderiam mais abrir classes no reino e nos domínios. 
Não estamos fazendo a defesa dos autores, mas sim um alerta para o forte retrocesso em que nos encontramos.
As justificativas, tanto do passado, como do presente, são impossíveis de assimilação.
É louvável que se tenham obras atualizadas nas indicações bibliográficas, como elemento de qualidade dos sistemas de aprendizagem, contudo essa tarefa deve ser exercida pelos docentes e pelas equipes multidisciplinares que atuam nas entidades.
Delegar-se essa tarefa aos membros das comissões formadas pelo Executivo Federal fere o princípio da liberdade acadêmica, além de representar uma invasão indesejada nas casas de ensino.
Teriam os seus integrantes a permissão para dizer que estão (ou não) atualizadas as obras do atual titular da pasta da educação brasileira? Os livros "Em defesa do Socialismo", "Desorganizando o Consenso", "Sindicalismo, Cooperativismo e Socialismo" e "O Sistema Soviético - Relato de uma polêmica", únicas produções científicas de Fernando Haddad estão aptos para figurarem das bibliografias universitárias?
Provavelmente o próprio Ministro, em função de suas múltiplas atribuições, desconheça essa prática de múltiplos excessos e detalhismos da máquina burocrática.
Impõe-se, a bem da liberdade prevista em nossa Carta, que o governo brasileiro não  siga os passos da "doutrina Bolivariana", recém imposta pela reforma educacional editada pela Venezuela de Hugo Chaves, ou pelas ditaduras de Fidel Castro e  Mao Tse-tung, aliás, ainda admirados por alguns "republicanos" de plantão. Não há mais espaço para se restabelecer no Brasil a "Real Mesa Censória" do século XVIII que dizia o que era permitido e o que deveria ser proibido.
Não há mais condições de assistirmos, silenciosos, aos atos secretos que enche de vergonha uma nação próspera e livre como a onde vivemos.

(*) Presidente do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação

(IPAE 186- 07/09)

 

EXPEDIENTE
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FICHA CATALOGRÁFICA
Carta Mensal Educacional
- N. 1 (dez. 1996). - Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação, 1996 - N.1 ; 29.5 cm   Mensal
Publicação do Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação.
1. Direito Educação - Rio de Janeiro - periódico. I.  Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação. CDU 37.014.1(05)