ano 18 - nº 107 - julho de 2009
Restrições à liberdade
pedagógica: o retrocesso de 250 anos imposto pelo governo federal às escolas
brasileiras
João Roberto Moreira
Alves (*)
As restrições à
liberdade intelectual sempre foram condenadas em todas as épocas da
humanidade e esse princípio deve permanecer como regra básica para o
progresso dos seus povos.
Na história de diversas nações, dentre as quais a do Brasil, há registros
de tristes momentos em que, por força de atos discricionários, detentores do
poder impuseram restrições à edição e circulação de livros e outros textos e
pensamentos, como forma de sufocar idéias e, especialmente, de demonstrar
força e poder dos governantes.
No meio educacional esses tristes episódios aconteceram em épocas diversas,
desde o período da Colônia até a República.
Felizmente vemos hoje consagrado em nossa Constituição Federal o pleno
direito às manifestações, por todos os meios, demonstrando que atingimos a
maturidade de um país democrático.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no capítulo que trata dos
Princípios e Fins da Educação Nacional assegura, em seu artigo segundo, que
"A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho."
Logo a seguir afirma que "O ensino será ministrado com base nos seguintes
princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na
escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura,
o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções
pedagógicas".
Em seu artigo doze estatui que "Os estabelecimentos de ensino, respeitadas
as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I -
elaborar e executar sua proposta pedagógica;"
Os textos legais não deixam dúvida que não vivemos em um país onde regras
ditatoriais são impostas às escolas, com disposições absurdas de restrições
pedagógicas.
Mas, será isso absoluta verdade?
Infelizmente não!
O Ministério da Educação, através de sua Secretaria de Educação Superior,
sob o pretexto de atualização de acervos, passou a exigir que as
universidades, centros universitários e faculdades retirem as obras do autor
Damásio Evangelista de Jesus das bibliografias básicas e complementares das
disciplinas de Direito Penal e de Direito Processual Penal. Essa
aberração pode ser vista nos termos de saneamento de deficiência dos cursos
de Direito de inúmeras instituições. Adiciona uma justificativa afirmando
que "o motivo é simples: à vista da Comissão de Especialistas, as obras do
autor estão ultrapassadas e não mais respondem aos atuais questionamentos
das disciplinas supracitadas."
A interferência é, sob o ângulo de um país democrático, no mínimo
intolerável.
Estamos voltando a 1759, quando princípios semelhantes levaram D. José I,
rei de Portugal, que ainda dominava todas as Colônias, estabelecer a
primeira reforma do ensino aplicada ao Brasil, sob a influência de Marques
de Pombal.
No histórico documento, ordenado há 250 anos, consta proibição para o ensino
nas escolas das obras de Manoel Alvares, Antonio Franco, João Nunes Freire,
João Soares e de Madureira. Também justificava sua decisão afirmando que as
mesmas contribuíam mais para fazer dificultoso o estudo da latinidade no
reino e por serem inúteis.
No documento de 2009, o governo brasileiro diz que se for identificado o
descumprimento de quaisquer das cláusulas pelas instituições será
instaurado, de imediato, o processo administrativo que poderá levar ao
encerramento de atividades do curso.
Já no instrumento jurídico de dois séculos e meio atrás constava que os que
descumprissem a determinação seriam logo presos para serem castigados ao
"meu real arbítrio" e não poderiam mais abrir classes no reino e nos
domínios.
Não estamos fazendo a defesa dos autores, mas sim um alerta para o forte
retrocesso em que nos encontramos.
As justificativas, tanto do passado, como do presente, são impossíveis de
assimilação.
É louvável que se tenham obras atualizadas nas indicações bibliográficas,
como elemento de qualidade dos sistemas de aprendizagem, contudo essa tarefa
deve ser exercida pelos docentes e pelas equipes multidisciplinares que
atuam nas entidades.
Delegar-se essa tarefa aos membros das comissões formadas pelo Executivo
Federal fere o princípio da liberdade acadêmica, além de representar uma
invasão indesejada nas casas de ensino.
Teriam os seus integrantes a permissão para dizer que estão (ou não)
atualizadas as obras do atual titular da pasta da educação brasileira? Os
livros "Em defesa do Socialismo", "Desorganizando o Consenso",
"Sindicalismo, Cooperativismo e Socialismo" e "O Sistema Soviético - Relato
de uma polêmica", únicas produções científicas de Fernando Haddad estão
aptos para figurarem das bibliografias universitárias?
Provavelmente o próprio Ministro, em função de suas múltiplas atribuições,
desconheça essa prática de múltiplos excessos e detalhismos da máquina
burocrática.
Impõe-se, a bem da liberdade prevista em nossa Carta, que o governo
brasileiro não siga os passos da "doutrina Bolivariana", recém imposta pela
reforma educacional editada pela Venezuela de Hugo Chaves, ou pelas
ditaduras de Fidel Castro e Mao Tse-tung, aliás, ainda admirados por alguns
"republicanos" de plantão. Não há mais espaço para se restabelecer no Brasil
a "Real Mesa Censória" do século XVIII que dizia o que era permitido e o que
deveria ser proibido.
Não há mais condições de assistirmos, silenciosos, aos atos secretos que
enche de vergonha uma nação próspera e livre como a onde vivemos.
(*) Presidente do
Instituto de Pesquisas Avançadas em Educação
(IPAE 186- 07/09)
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